A Pixar anda passando por uma situação conturbada nos últimos anos. Desde a pandemia, o estúdio teve dificuldade para emplacar com seus últimos projetos. Mesmo que Soul, Luca e Elementos tenham sido bem recebidos pela crítica e público, nenhum dos filmes citados foram grandes sucessos comerciais. Lightyear, em contrapartida, foi um fracasso retumbante para o estúdio, gerando mais de 100 milhões de dólares em prejuízo. Some isso a demissão de 175 funcionários da Pixar em maio deste ano, como foi reportado pelo portal The Hollywood Reporter como parte da estratégia de corte de custos da Disney, fica clara a situação delicada que o estúdio se encontra.
Bob Iger, CEO da Disney, declarou em fevereiro que a Disney, e por extensão a Pixar, irá focar em sequências de suas franquias mais famosas nos próximos anos, a fim de reconquistar a atenção do público. Esta é uma declaração que acho problemática em dois níveis: não só pelo fato da Pixar ter feito seu nome enquanto estúdio de animação através de ideias ousadas e originais e achar um erro focar exclusivamente no que já está estabelecido como franquia, como pelo fato de sequências não serem o forte da Pixar. Com exceção de Toy Story 2 e 3, as sequências do estúdio caem em um de dois campos: Ou são atrocidades como Carros 2 ou são filmes legais e param por aí, só no “legal”, nunca conseguindo atingir o alto patamar dos originais.
Por que estou falando tudo isso? Acho importante compreendermos o contexto geral na qual as obras estão inseridas e que cenário influenciou seu desenvolvimento. Expectativas para Divertida Mente 2 estão altíssimas por parte do estúdio, como o filme que trará o público de volta para ver a Pixar nos cinemas. Eu, por outro lado, estava um tanto apreensivo. Amo de paixão o longa original e o considero um dos mais criativos e tocantes do estúdio, então tinha um pouco de receio para ver como seria a sequência. Quando os créditos subiram, no entanto, a apreensão se tornou alívio, e este alívio transformou-se em alegria ao ver uma animação que mantém o alto padrão de qualidade e continua de forma excelente a história do filme original.
Agora com 13 anos, Riley é uma adolescente passando pela puberdade. Além da garota ter que lidar com as mudanças desta nova fase de vida, suas emoções também devem encarar a chegada de novos companheiros: Ansiedade, Vergonha, Inveja e Tédio. Quando Riley vai para um acampamento de Hockey e vê a oportunidade de fazer amizade com as jogadoras populares, Ansiedade usurpa controle da mente da garota, com Alegria e companhia embarcando em uma jornada para recuperar a sala de controle mental.
Se tem um aspecto que a Pixar sempre capricha, mesmo nos filmes mais fracos do estúdio, é a qualidade técnica de suas animações e Divertida Mente 2 não é diferente. Mesmo que o filme seja muito bonito e detalhado, o que mais chama atenção no longa, assim como no primeiro, é a direção de arte. A maneira como a equipe conseguiu imaginar de forma lúdica conceitos psicológicos como emoções, memórias, sonhos e imaginação é muito criativa, com o segundo se aprofundando ainda mais, apresentando novos conceitos como convicções pessoais, senso de si, além de uma excelente piada com brainstorm.
Ainda sobre a animação, o longa mescla diferentes técnicas para criar momentos cômicos muito engraçados, seja misturando animação 2D, animação de recortes de papel ou mesmo um personagem poligonal de videogame que Riley jogava quando mais nova, personagem este que parece ter saltado diretamente de um jogo de PS1. E por falar no humor, o filme é recheado de ótimas piadas do começo ao fim, seja pelos visuais criativos do filme ou pela ótima localização e adaptação de texto, piadas e gírias para português. A dublagem brasileira do filme também é ótima, com as vozes se encaixando perfeitamente com os personagens.
Quanto ao roteiro e história, gosto como ele é uma progressão natural do que vimos no primeiro filme. Se o longa original lida com as mudanças e complexidades da transição da infância para a pré-adolescência, Divertida Mente 2 explora questões como o desenvolvimento da personalidade e senso de si durante a puberdade. Gostei bastante como foi estabelecido a dinâmica e rivalidade entre Alegria e Ansiedade, com Alegria questionando sua importância e propósito com a chegada das novas emoções. Achei interessante como Ansiedade traça um paralelo com a própria Alegria no primeiro filme, com ambas as personagens querendo controlar a vida da garota.
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O fato de Alegria desafiar Ansiedade, em prol de um equilíbrio emocional mostra não só um desenvolvimento da personagem em relação ao longa anterior, como enfatiza a principal mensagem do filme, a importância do equilíbrio e como nossas vidas podem desmoronar quando deixamos apenas uma emoção nos dominar e ditar o rumo. A animação aborda estes assuntos de forma muito delicada e profunda, mas ao mesmo tempo, simples o bastante que até mesmo crianças possam entender estes temas complexos sobre emoções e amadurecimento.
Esta é a verdadeira magia da Pixar, ao criar histórias que capturam a imaginação e tocam o coração de crianças e adultos com seus personagens e histórias, algo compartilhado pelas melhores animações do estúdio. Quantos aos demais personagens, tanto as emoções do filme anterior quanto as estreantes, são muito bem utilizadas tanto em momentos cômicos quanto em momentos emocionais do longa.
Creio que o que mais me deixou aliviado e feliz ao ver o filme, é que em momento algum eu senti que o longa era uma “sequência caça-níquel”, aquele tipo de continuação feita única e exclusivamente para ganhar dinheiro. Pelo contrário, em Divertida Mente 2 é visível o esforço da equipe criativa em fazer uma continuação genuína para o longa original, criando uma história que evolui e amadurece personagens e relacionamentos, além de introduzir novas adições ao elenco.
Amy Porhler, a dubladora de Alegria no idioma original, já declarou que gostaria de ver mais sequências abordando outras fases da vida de Riley, seja ela como uma jovem adulta, mãe ou uma mulher de meia-idade. Eu sinceramente acho que a história de Divertida Mente ainda tem bastante pano pra manga para um terceiro ou mesmo quarto filme. E se sequências futuras seguirem o mesmo caminho de evoluir e amadurecer os personagens, sem esquecer da criatividade e sensibilidade que tornaram esses filmes tão especiais, irei assistir com muito prazer nos cinemas.
Em resumo, Divertida Mente 2 é uma excelente continuação para a amada animação de 2015, mantendo o padrão de excelência, trazendo novos personagens e aprofundando aqueles que já conhecemos em uma história muito bonita, divertida e emocionante, que nos faz lembrar o porquê filmes da Pixar são tão especiais. Para fãs do longa original e de animações no geral, este é definitivamente um filme que você não vai querer perder de ver nos cinemas.
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