Os Role-Playing Games, popularmente conhecidos pela sigla RPG, são jogos de interpretação de papéis, nos quais os jogadores podem criar seus próprios personagens e interpretá-los em aventuras pelos mais diversos mundos, sejam eles de fantasia medieval, ficção científica, terror e tantos outros gêneros.
De modo geral, jogos de RPG de mesa são compostos por jogadores — aqueles que criam e interpretam personagens, cujas ações movimentam a história — e pelo mestre/narrador, encarregado de descrever como o mundo e os personagens reagem diante das ações dos jogadores, além de preparar a aventura e os desafios pelos quais o grupo deve passar.
Seja jogando de forma presencial, com dados, tabuleiros e miniaturas, seja online, através de plataformas específicas de RPG, ou utilizando apenas a imaginação, os jogos de RPG cativam milhões de pessoas no mundo todo desde sua explosão em popularidade nos anos 1980, por darem asas à criatividade, permitirem criar um personagem exatamente como se deseja e proporcionarem aventuras memoráveis ao lado de amigos.
Apesar de o cenário mais popular para jogos de RPG ser o de fantasia medieval, como em Dungeons & Dragons (D&D), existem jogos dos mais variados gêneros que se possa imaginar: desde aventuras em futuros distópicos cyberpunk, tramas de terror psicológico, histórias de super-heróis, exploração espacial, cenários de guerra, apocalipses zumbis e velho-oeste. A variedade é bastante ampla para atender a todos os gostos.
Para a criação de muitos desses RPGs — seja na ambientação, no visual, nas raças ou nas classes de personagens — os criadores bebem de diversas fontes, especialmente de inspirações literárias.
FANTASIA MEDIEVAL
Foto: D&D (TSR Hasbro)
Dungeons & Dragons é, indiscutivelmente, o RPG mais popular de todos os tempos. Lançado originalmente em 1974, o jogo explodiu em popularidade na década de 1980, ganhando diversas versões, expansões e revisões ao longo dos anos, além de migrar para outras mídias, como livros, quadrinhos, desenhos animados, filmes e videogames.
Quando se fala em RPG, a primeira imagem que provavelmente vem à mente é a de um grupo de aventureiros — cavaleiros e magos, sejam humanos, elfos ou anões — combatendo dragões e criaturas mágicas em calabouços, uma ideia consolidada graças a D&D.
Ao pensarmos em mundos de fantasia, com diversas raças, magia e grandes batalhas, é difícil não remeter a O Senhor dos Anéis. Gary Gygax e Dave Arneson, criadores de D&D, declararam que as obras de Tolkien tiveram grande influência na criação do jogo.
É interessante citar que houve uma disputa legal entre as propriedades intelectuais. Os detentores dos direitos de Tolkien processaram os criadores de D&D, alegando que termos como “elfos”, “anões”, “dragões”, “ents”, “goblins”, “balrog”, “hobbits” e “orcs” infringiam direitos autorais e, portanto, deveriam ser removidos do jogo.
A corte acatou a defesa de D&D, considerando que muitos desses nomes pertenciam ao folclore de domínio público. Entretanto, termos como “hobbit”, “ent” e “balrog” precisaram ser substituídos, respectivamente, por “halfling”, “treant” e “balor”.
Outras referências literárias que ajudaram a moldar D&D foram as aventuras de Conan, o Bárbaro, escritas por Robert E. Howard, todas recheadas de magia e combates contra monstros terríveis, além de elementos das mitologias grega, nórdica, celta, judaico-cristã, contos medievais, entre outros.
CYBERPUNK
Foto: Cyberpank (Mike Pondsmith)
Futuros distópicos dominados por alta tecnologia e megacorporações fascinam artistas nos mais diversos meios — literatura, cinema, jogos e, claro, RPGs. Quem nunca desejou criar seu próprio mercenário hacker com implantes cibernéticos para embarcar em missões arriscadas contra gangues e corporações em um futuro ultra tecnológico?
O jogo Cyberpunk (1988), de Mike Pondsmith, é um dos maiores expoentes do gênero futurista nos RPGs, tornando-se ainda mais conhecido com sua segunda versão, Cyberpunk 2020 (1990). Para os fãs de videogames, vale lembrar que esse RPG de mesa serviu de base para o famoso jogo Cyberpunk 2077 (2020).
Todas as grandes obras do subgênero cyberpunk se inspiram em clássicos literários como Neuromancer, de William Gibson, o mangá e anime Akira e o filme Blade Runner, baseado no livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick.
Como curiosidade, também merece destaque Shadowrun, um sistema que combina raças, classes e magia de um cenário de fantasia medieval com a alta tecnologia de um universo cyberpunk, possibilitando histórias extremamente criativas.
TERROR
Vampiro (White Wolf)
Com a popularização e evolução dos RPGs de mesa, surgiram novas formas de jogar. Um desses modelos é o sistema conhecido como Storyteller, que prioriza a interpretação de personagens e a interação entre jogadores em vez do combate e da rolagem de dados.
Criado nos anos 1990 por Mark Rein-Hagen, o sistema Storyteller deu origem a um dos RPGs de horror mais populares de todos os tempos: Vampiro: A Máscara. Lançado em 1991, o jogo oferece um vasto cenário para amantes do terror, com diversos clãs e tipos de vampiros, permitindo que os jogadores escolham caminhos variados — desde protetores da humanidade até predadores sanguinários.
Obras da literatura gótica e de terror como Drácula, Entrevista com o Vampiro e contos de Edgar Allan Poe foram inspirações não só para Vampiro, como demais jogos de terror baseados no sistema Storyteller, como Lobisomem: O Apocalipse (1992) e Wraith: The Oblivion (1996).
Para os jogadores fãs de D&D que buscam uma aventura mais voltada para terror, saibam que existe uma expansão oficial do jogo conhecida como Ravenloft, trazendo novos cenários, personagens, histórias e ideias de campanhas para aqueles que buscam injetar uma dose de terror gótico nas jogatinas. Lançada originalmente em 1983, Ravenloft ganhou versões posteriores, incluindo uma recente compatível com as regras da 5º edição de Dungeons & Dragons.
Reprodução
Outro cenário bastante popular entre os jogadores de terror é Call of Cthulhu, um RPG lançado originalmente em 1981 diretamente inspirado nas obras do mestre do horror, H. P. Lovecraft. Ambientado no final do século XIX ou início do século XX, uma campanha de Call of Cthulhu propõe-se a ser uma aventura de horror sobrenatural que busca testar a sanidade de uma pessoa normal diante de eventos e criaturas abissais da mitologia de Lovecraft.
Com o desenrolar da aventura, personagens e jogadores serão colocados à prova. À medida que vão perdendo sanidade, personagens podem ganhar status negativos que vão dificultar o jogo de alguma forma. É até mesmo possível que o jogador perca seu personagem de forma permanente caso caia completamente na insanidade.
SUPER-HERÓIS
Reprodução Marvel
Quem nunca imaginou criar o seu próprio super-herói? Desde sua origem, seu nome, uniforme e, é claro, seus poderes. Este é um gancho simples e muito eficaz que RPGs ambientados em cenários de super-heróis propõem aos jogadores. Existem sistemas como o antigo GURPS: Supers (1989) ou Masks: A New Generation (2017) que abordam a temática de forma mais ampla, sem se basearem necessariamente em nenhuma propriedade intelectual. Para os fãs de quadrinhos, saibam que também existem RPGs oficiais da Marvel e da DC.
Começando pela Marvel, o primeiro RPG da editora foi Marvel Super Heroes (1984), produzido pela TSR, a mesma empresa responsável por Dungeons & Dragons. É curioso destacar que essa primeira versão vinha apenas com fichas prontas dos personagens da editora, pois imaginava-se, na época, que as pessoas gostariam de jogar somente com os personagens da Marvel. Um sistema de criação de personagens seria introduzido apenas na segunda edição, em 1986.
Atualmente, a versão mais atualizada de um RPG baseado nos personagens da editora é Marvel Multiverse RPG (2023), que traz um robusto sistema de criação de personagens e poderes, além de fichas prontas de dezenas de heróis e vilões para serem utilizados nas sessões de jogo. Além disso, o sistema ganhou complementos na forma de campanhas prontas envolvendo a Hidra, Kang, o Conquistador, Deadpool, além de livros-expansão dedicados aos X-Men, Vingadores e ao Aranhaverso, trazendo diversas regras, cenários e personagens inéditos.
No lado da DC, a editora já teve três jogos publicados: o extinto DC Heroes (1985), DC Universe RPG (1999) e DC Adventures (2010). Os fãs da DC, no entanto, podem celebrar, pois um novo RPG oficial está em desenvolvimento pela empresa brasileira D20 Culture. Segundo informações do portal O Vício, o jogo ainda se encontra em fase inicial de desenvolvimento, portanto, sem previsão de lançamento. A D20 Culture também afirma que está desenvolvendo um sistema próprio para o RPG e espera trazer novidades durante a CCXP 2025.
Fora do âmbito Marvel e DC, também está sendo desenvolvido um RPG oficial de Invincible, baseado na famosa HQ de Robert Kirkman, Cory Walker e Ryan Ottley, hoje também uma bem-sucedida animação. Produzido pela Free League Publishing, o jogo foi financiado através da plataforma de financiamento coletivo Kickstarter e deve ser lançado em breve.
RPGs DE OBRAS LITERÁRIAS
Reprodução: Modiphius
Como mencionado anteriormente, existem RPGs completamente inspirados em obras pré-existentes, como o caso de Call of Cthulhu e os jogos baseados nos quadrinhos da Marvel e DC, porém estes são apenas uma mísera fração de exemplos. Se uma propriedade intelectual, seja ela obra literária, filme, série ou videogame é popular o bastante, possivelmente ela terá o seu próprio RPG de mesa oficial.
Esta é uma forma interessante para fãs de uma obra poderem criar seus próprios personagens e viverem eles mesmos aventuras nestes mundos fantásticos que tanto amam. Seja para recriar momentos icônicos, aliar-se aos heróis da trama ou quem sabe até mesmo subverter o que acontece nas páginas dos livros.
Alguns outros exemplos de obras literárias famosas que viraram RPGs são Duna com o jogo Dune: Adventures of in the Imperium (2022), Game of Thrones com A Song of Ice and Fire Roleplaying (2009) e O Senhor dos Anéis com os jogos The One Ring (2022) e The Lord of the Rings RPG (2023), jogo que utiliza as regras da 5ºedição de D&D para jogar.
RPGs QUE INSPIRARAM LIVROS
Tormenta (Editora Jambô)
Ao longo desta reportagem, foram citados diversos exemplos de livros que serviram de base para a criação de jogos de RPG, mas o inverso também ocorre. D&D, por exemplo, possui dezenas de livros ambientados no universo do jogo, como a série de livros Dragonlance. Entretanto, gostaria de destacar alguns exemplos brasileiros bastante populares.
Tormenta é um cenário de RPG criado por Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e J. M. Trevisan, desenvolvido para ser utilizado em sistemas de fantasia medieval como D&D e GURPS Fantasy. A iniciativa foi uma ação comemorativa da 50ª edição da Dragão Brasil, antiga revista focada em RPGs. Essa edição, lançada em 1999, contava com cerca de 80 páginas de histórias, locais, personagens e deuses deste mundo.
Com o tempo, a popularidade de Tormenta cresceu e gradativamente se expandiu para outras mídias. Em 2004, foi lançado o primeiro romance baseado no cenário, O Inimigo do Mundo, de Leonel Caldela. Atualmente, Tormenta possui um total de oito romances publicados — quatro por Leonel Caldela, dois por Karen Soarele, um por Lucas Borne e um por Kali de los Santos — além de três volumes de Crônicas da Tormenta, coletâneas de contos escritos por diversos autores baseados no cenário.
Vale dizer que, em 2019, para celebrar os 20 anos de Tormenta, foi lançado Tormenta 20, uma versão atualizada do clássico cenário, contando com novas regras, raças, classes de personagens e muito mais. O jogo foi viabilizado por meio de campanhas de financiamento coletivo, acumulando impressionantes R$ 1.918.486 — 2.000% a mais do que a meta original de R$ 80.000,00 — quebrando diversos recordes e tornando-se um dos maiores casos de financiamento coletivo no Brasil.
Outro caso interessante a citar são os RPGs criados pelo canal Jovem Nerd. Como parte de episódios especiais do podcast Nerdcast, os apresentadores Jovem Nerd e Azaghal realizaram sessões de RPG com seus amigos, utilizando trilhas e efeitos sonoros para tornar a experiência ainda mais imersiva para os ouvintes. O sucesso e a repercussão desses episódios foram tamanhos que logo se expandiram para outros produtos, como camisetas, colecionáveis e livros.
(Jovem Nerd)
A primeira saga de RPG do Jovem Nerd, A Lenda de Ghanor, ganhou uma trilogia de livros escrita por Leonel Caldela: A Lenda de Ruff Ghanor, que detalha de forma mais aprofundada o mundo e a mitologia criada para o programa. Vale dizer também que, posteriormente, A Lenda de Ghanor se tornou um RPG oficial, lançado em 2022, contando com um extenso livro de regras que inclui história, personagens, locais e sistema de criação de personagens.
A segunda saga, com temática cyberpunk, também ganhou um romance, desta vez centrado no personagem Ozob, um replicante albino que usa uma granada vermelha no lugar do nariz. Ozob: Protocolo Molotov foi lançado em 2015, escrito por Leonel Caldela em parceria com Deive Pazos (Azaghal), o criador do personagem, narrando uma história pregressa aos eventos dos episódios do RPG.
Foto de capa: TSR Hasbro