‘Surdo, logo existo’ traz a discussão sobre o apagamento da libras

Por Maycon Lorkievicz

Em cena o período histórico em que a língua de sinais foi proibida em Milão. Essa é a premissa de “Surdo, logo existo”, espetáculo que compôs a Mostra Surda de Teatro na 32ª edição do Festival de Curitiba.  

Entretanto, a peça também traz situações de um cotidiano muito recente ressaltando episódios no qual pessoas surdas sofreram pela falta de acesso/proibição na aprendizagem da língua de sinais até os dias atuais. Foi o que percebi a luz da minha leitura, como ouvinte, que não sabe a língua de sinais. Já que a peça é totalmente em Libras, contanto com a mediação de um tradutor no início do espetáculo, explicando a ausência de legenda para ouvintes. 

Antes de qualquer coisa que eu possa falar sobre o espetáculo, considero relevante mencionar a importância de uma mostra montada por pessoas com deficiência (aqui utilizando o termo clínico). Não tenho experiência com a surdez, e sim com a cegueira e baixa-visão, entretanto, me sinto orgulhoso que pessoas com diversidade funcional estejam ocupando novos espaços e cada vez mais aparecendo, artisticamente e midiaticamente falando. A história das pessoas com deficiência, aqui generalizando, traz muitas marcas violentas, e a peça “Surdo, logo existo”, escancara situações que acontece com a comunidade surda até os dias atuais. 

No dia em que assisti, o teatro estava lotado de pessoas surdas, e algumas ouvintes. Foi interessante como espectador assistir uma peça em outra língua. E conforme a mediação realizada no início do espetáculo, foi possível compreender todo o enredo da peça. 

Contudo, o espaço no qual a peça foi apresentada não colaborou com a visão de quem estava na plateia, pois teve algumas cenas nas quais alguns personagens interpretavam ajoelhados e o espaço da plateia não tinha inclinação elevada que permitisse a visualização total das cenas. Apesar disso, a peça merece ser assistida, seja ela apresentada em qual espaço que ocupe, dada a sua relevância atual e cultural. 

Destaco também a impecável interpretação dos atores e a forma como o texto foi dirigido, intercalando eventos históricos e atuais. A direção e toda a sua equipe conseguiram apresentar uma estética (iluminação, cenografia, figurino, corpo e maquiagem) que conversavam entre si, principalmente em questão de recursos visuais, que enriqueceram todo o contexto visual. Foi a primeira peça surda que assisti, e como artista e professor de pessoas com deficiência, não posso deixar de demonstrar o meu contentamento com toda a produção. Vale sempre a máxima: nada sobre eles sem eles.

Créd.: Humberto Araujo

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