Sonho de uma Noite de Verão: um encantamento do qual não queremos acordar

Foto: Maduh Cavalli

por Gabi Coutinho e Maduh Cavalli

Como fazer uma montagem de mais de duas horas de Shakespeare e ainda fazer o público sair com gosto de “quero mais”? Pergunte à Ave Lola. Com sua versão de Sonho de uma Noite de Verão, a trupe curitibana entrega uma experiência cênica de tirar o fôlego seja pela tensão, ou pelo riso que faz a barriga doer. É um daqueles espetáculos que confirmam, com beleza e intensidade, o poder transformador do teatro.

Desde os primeiros instantes, somos convidados a mergulhar em um universo profundamente sensível e cuidadosamente construído. O início, marcado pela queda de um tecido azul que cobre o palco, já dá o tom poético e anuncia a estética apurada que vem pela frente. E mesmo com elementos relativamente simples (tecidos, objetos cênicos versáteis, jogos de luz) a composição visual é grandiosa. A cenografia, os figurinos fluidos e a iluminação criam paisagens que nos transportam para florestas, mares e outros mundos que oscilam entre o sonho e a realidade.

A montagem respeita e dialoga com a tradição shakespeariana, mantendo trechos em verso e preservando a tessitura lírica do texto original. Mas faz isso com equilíbrio: sem soar erudita demais ou distante do público contemporâneo. Há núcleos cômicos, românticos, políticos e místicos que se costuram com fluidez, transformando até os conteúdos mais densos em um entretenimento acessível, envolvente e nunca superficial.

Um dos grandes méritos da montagem está na forma como conduz a comédia. Quando o núcleo do grupo de teatro entra em cena, as gargalhadas são inevitáveis. E não se trata de humor fácil ou apelativo: é um trabalho preciso de tempo cênico, de corpo, de musicalidade e de jogo entre os atores. É aquele tipo de riso que escapa sem aviso, sem esforço — e isso só é possível com um elenco absolutamente conectado e uma direção que sabe exatamente o que quer provocar.

Foto: Maduh Cavalli

E por falar no elenco: é impecável. Os atores não apenas interpretam múltiplos personagens com fluidez e clareza, mas transformam-se em cenário, som e atmosfera. Água, floresta, pedra, bicho: tudo isso é evocado através do corpo e da presença cênica. A fisicalidade em cena é tão rica que, muitas vezes, não sentimos falta de nenhum recurso externo. É o teatro em sua forma mais potente: tudo é corpo, tudo é pulsação.

As trocas de personagens são um espetáculo à parte. A precisão, a rapidez e a organicidade com que os atores transitam entre figuras tão distintas é impressionante. Em poucos segundos, não só o figurino muda, mas também a energia, a voz, a fisicalidade. A gente esquece que é o mesmo intérprete. E essa mágica só acontece quando há domínio técnico e entrega total.

A sonoplastia ao vivo também merece destaque. Os sons criados em cena não apenas ambientam mas funcionam como personagens, interagindo com a ação e intensificando as emoções para construir ritmo. É uma trilha sonora pensada com inteligência e sensibilidade, que dá vida ao espetáculo de maneira sofisticada e orgânica.

Foto: Maduh Cavalli

Assistir à montagem de Sonho de uma Noite de Verão pela Trupe Ave Lola é mais do que assistir a uma peça: é viver uma experiência de reconexão com a essência do teatro. É como testemunhar a arte em sua forma mais viva e presente.

“Como atriz, é um daqueles momentos que reacendem a certeza de estar no caminho certo. Como espectadora, é um privilégio raro mergulhar nesse universo por algumas horas.” – Maduh Cavalli

“Sem sombra de dúvidas, essa é uma das minhas peças favoritas – e digo isso com propriedade, porque já assisti quatro vezes. E olha que sou difícil para humor e, confesso, costumo me cansar em peças muito longas. Mas é impressionante como Sonho de uma Noite de Verão, na versão da Ave Lola, me prende do começo ao fim. Já saio do teatro pensando: espero logo ter novas chances de ver “esse sonho” acontecer de novo.” – Gabi Coutinho

Trazer Shakespeare ao palco de forma tão bonita, acessível e contemporânea é um feito poderoso. A Ave Lola consegue fazer com que o clássico soe novo, sem perder sua profundidade. Essa montagem é um lembrete da atemporalidade das boas histórias e de como elas podem ser reinventadas sem jamais perder a alma.

About The Author