Eco grita para que o mundo não seja uma tragédia

Reprodução Festival de Curitiba

A Cia Kà inaugurou, na última quarta-feira (26), a segunda edição da Namoskà com Eco, uma experiência cênica que revisita os mitos gregos sob a influência visceral do Teatro Oficina, legado incontornável de Zé Celso. Em cena, deuses, ninfas e Narciso compartilham o espaço com a própria Eco, personagem que ama sem reciprocidade e cuja paixão impossível deflagra um ciclo de eventos traumáticos e irreversíveis.

O primeiro impacto que Eco provoca no espectador reside na fisicalidade intensa do elenco. Os gritos, os corpos em convulsão, a expressividade crua – tudo nos impele a um estado de inquietação. A cena se torna um território de metamorfoses, onde as figuras transitam entre múltiplas identidades, ora encarnando divindades, ora se confundindo entre Narciso e Eco, num jogo de espelhos cênicos que ressoa a essência trágica do mito.

A encenação é atravessada por uma linguagem que remete às festividades dionisíacas e ao teatro grego primordial, desenhando uma arqueologia performática que dialoga, inevitavelmente, com o pré-Shakespeariano. A estética é ritualística, evocando o primitivo, o sagrado e o profano em um mesmo gesto.

O elenco imprime à cena um estranhamento sublime, uma fisicalidade que beira o onírico. O trabalho corporal e coreográfico transcende a mera representação e nos faz questionar se a arte cênica é resultado de técnica refinada ou um dom inato. Eco e Narciso se destacam com interpretações de rara potência, expondo na carne e na voz a dilaceração do egoísmo e da paixão não correspondida – sentimentos universais que atravessam o tempo e a psique humana.

A direção de Caio Frankiu reafirma sua assinatura estética marcada pela fisicalidade e pelo rigor composicional. Cada gesto, cada pausa, cada respiração é meticulosamente desenhada para criar uma experiência sensorial única, transportando-nos ao cerne da tragédia grega. Eco, em seu grito silencioso, questiona a permanência de Narciso no mundo contemporâneo – somos reflexos do mesmo mito?

A iluminação e a sonoplastia ampliam a experiência imersiva, escapando da obviedade dos efeitos padrões para apostar em velas, lanternas e sombras que intensificam a dramaticidade da cena. A trilha sonora, precisa e pulsante, guia o espectador por um mergulho sensorial que amplifica o lamento de Eco.

Eco não é apenas um espetáculo, mas uma vivência. Não se trata de um teatro de narrativas convencionais, mas de um rito em que somos convocados a sentir, a confrontar a dualidade fundamental entre amor próprio e entrega ao outro. Onde reside o equilíbrio? Onde termina o reflexo e começa a verdade?

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