Pilar de Fogo: Quando a tecnologia e o Teatro se encontram para uma dança macabra

Na última quinta-feira (27), a sessão de Pilar de Fogo, um dos espetáculos da segunda edição da mostra Namoskà, da Cia Kà, tomou o palco do Espaço Excêntrico Mauro Zanatta de forma inusitada: por meio de um holograma. A projeção tridimensional rompe as barreiras da ilusão cênica tradicional, diluindo a fronteira entre o real e o imaginado e transportando a dramaturgia para um novo território sensorial.

Ambientado em um mundo pós-apocalíptico onde os livros não existem mais, Pilar de Fogo instaura um cenário de desolação que transcende o mero artifício narrativo. O verdadeiro horror não reside nas ruínas ou na ausência de conhecimento, mas na incoerência, no medo e na supressão da arte.

A estética da montagem se ancora no grotesco e no onírico, evocando figuras distorcidas que remetem ao imaginário de Tim Burton. Os corpos em cena se apresentam como entidades animalescas, caricaturais, resgatando arquétipos do terror: há algo de Nosferatu, do Cavaleiro Sem Cabeça, de Coraline e de Pennywise nas figuras que habitam o palco, em um jogo físico que amplifica a inquietação do espectador. Embora a interação com os hologramas não seja imersiva em sua totalidade, há um equilíbrio entre o virtual e o corpóreo que se intensifica ao longo da obra.

Sob a direção de Kelvin Millarch, o espetáculo evita os atalhos fáceis do gênero. O teatro de horror, muitas vezes reduzido a sustos superficiais, aqui se desdobra em camadas psicológicas que transitam entre o cômico e o macabro. Millarch domina essa oscilação com destreza, conduzindo a narrativa por um terreno movediço onde o medo não é explícito, mas latente – uma perturbação que se infiltra gradativamente na percepção do público.

A iluminação, em consonância com os hologramas, constrói uma atmosfera paradoxal: uma caixa preta que respira, ao mesmo tempo, vivacidade e morbidez. Cada foco de luz recorta o espaço como um bisturi afiado, revelando e ocultando, convidando o espectador a se perder entre dimensões. E a sonoplastia não fica para trás.

A tecnologia holográfica, introduzida em Curitiba pela Lumen, materializa espectros e pesadelos de forma quase tangível. O palco se torna um limiar entre o real e o metafísico, onde um carrossel gira em sentido invertido e o próprio inferno se insinua diante dos olhos. Pilar de Fogo não apenas encena o medo; ele o instaura no espaço, tornando-o palpável.

A dramaturgia flerta com o pós-dramático, mas não se entrega ao hermetismo. Seus múltiplos paralelismos convergem em um ponto de inflexão que alinha o real, o imaginário e a fantasia, conduzindo o público a uma experiência onde nada é gratuito – cada assopro de vela, cada coreografia, cada fragmento narrativo compõe um mosaico meticulosamente calculado.

Pilar de Fogo não busca provocar pesadelos ou risadas fáceis. Seu terror não é explícito, mas insinuado. Ele convida à reflexão: os medos que carregamos são únicos, irreais ou apenas refletem o que já está diante de nós? Se forem um holograma, há alívio. Caso contrário, resta-nos apenas a sorte.

About The Author