Reprodução: Maringas Maciel
Ontem, no primeiro dia de peças das Mostra Lúcia Camargo no Festival de Curitiba 2025, decidi iniciar minha maratona com dois extremos: uma peça local, da capital paranaense, e outra do Eixo Latino. E é sobre esta segunda que venho falar aqui, que cumpriu sua missão em me deixar inquieta e fazer o que eu mais gosto ao sair de um teatro: debater o que acabei de assistir. Sendo assim, deixo claro que pra mim ela cumpriu sua missão e fez a arte transcender o espaço palco e plateia, mesmo entendendo controvérsias que surgiram em meio ao debate.
No Estoy Solo provoca angústia do início ao fim, seja pela ausência de palavras durante todo o espetáculo, pela dificuldade extrema em entender o que é gravação ou tempo real, pela inquietude ao ver as possibilidades da tecnologia ou ainda pelo tema abordado – foram todos esses os apertos que bateram em mim. Embora eu particularmente não entenda a peça como uma obra de teatro em si, pela ausência de uma dramaturgia principalmente, posso dizer que talvez essa provocação seja um dos pontos de vista que colocam a obra onde deveria estar: num contexto em que a cultura se mostra um intercâmbio onde as mais diversas maneiras de manifestação vem à público.
As inquietações e emoções do ator transbordam a cena e refletem a dualidade entre presença e ausência, tanto dos outros como de si. O quanto nos modificamos de um instante a outro? Quantas versões de nós mesmos existe em nossa identidade? Somos tempo presente ou somos esse intervalo entre passado e futuro? As reflexões me trazem para a vida de artista, assim como me fazem olhar para dentro e entender muito sobre mim. E analisando uma perspectiva mais abrangente, pode-se considerar ainda o delicado e desafiador cenário cultural na Argentina, e essa luta que é entender até onde a movimentação depende de nós ou o que passa pela limitação da falta de incentivo ou oportunidade. Quanto de “No Estoy Solo” diz sobre o que vivemos diariamente?
Isso ganhou força pra mim a cada vez que eu já não sabia o que era projeção e o que era corpo. Mas o gatilho foi dado já na primeira cena, com o ator sentado em meio à plateia. Vulnerabilidade ou pertencimento? Talvez um pouco de cada. Mas ao tirar a roupa e passar boa parte completamente nu, de novo me provoca inquietação: para compreender e sentir à fundo, é necessário despir-se de qualquer resposta pronta e mergulhar no eu-interior, enquanto vemos o que ele tem a dizer (de novo, mesmo que em total silêncio).
Vale mencionar que assisti alguns vídeos da performance depois de ter visto a peça, e no audiovisual não me cativou. Pela tela, senti que tudo era tecnologia e muito se perdeu. E sendo assim, viver essa experiência no Festival de Teatro de Curitiba se tornou ainda mais gratificante. Me senti ainda mais honrada e presenteada por poder sentir toda essa provocação no ambiente em que ela foi feita para acontecer.
Dito isso, reforço: concordo com o ponto de vista daqueles que afirmam ser uma performance movida pela tecnologia ao invés de uma peça teatral, num lugar de respeito e enaltecimento pela proposta.
E entendo quem tenha se incomodado com o silêncio absoluto e a contemporaneidade de Iván Haidar. Nesse ponto, de minha parte, é nesse incômodo que reforço a maestria.
Por Gabi Coutinho – Via parceria ‘No Teatro Curitiba’