Foto: Eduardo Soltoski
Inspirado na vida e na obra de Virginia Woolf, Ela Não Pode Gritar, novo espetáculo da Sim Companhia de Teatro, nos convida a adentrar um espaço entre o real e o imaginário, onde o tempo escorre devagar e a memória pulsa entre móveis cobertos e paredes silenciosas. A direção sensível e precisa de Vanessa Corina dá vida a uma dramaturgia potente, construída a partir de fragmentos dos textos e da biografia da escritora inglesa, criando um retrato simbólico de sua trajetória marcada por silêncios impostos e gritos contidos. A dramaturgia traz também fragmentos de textos autorais do elenco, o que deixa tudo mais identificável criando proximidade com o público.
O espetáculo estreou quinta-feira (03/07/2025) em uma temporada gratuita no Teatro Novelas Curitibanas, com sessões até 03 de agosto. A peça parte da situação aparentemente simples de quatro pessoas que invadem uma casa vazia, prestes a ser alugada, para passar a noite. Porém, aos poucos, a casa parece respirar memórias, e os limites entre o dentro e o fora, da casa e de si mesmos, se confundem. É nesse espaço onírico que a figura de Virginia emerge, não como personagem literal, mas como presença incorporada em gestos, palavras e silêncios.
A iluminação de Márcio Júnior é impecável e a sonoplastia de Edith de Camargo se destaca por sua precisão e por seu incômodo, que ecoa a densidade do texto falado e amplia a atmosfera dramática. O som e a luz do espetáculo, não apenas acompanham a cena, eles a atravessam.
O cenário e os figurinos, assinados por Gui Almeida, são complementares e se fundem de maneira orgânica à proposta estética da montagem. Os elementos cênicos são utilizados com maestria, destacando-se especialmente o uso simbólico da pedra, um objeto carregado de paradoxos que dialoga com os limites entre resistência e peso, permanência e afogamento.
As atuações de Alini Maria, ErtaAle, Jordana Botelho e Pedro Bonacin são notavelmente sensíveis. O elenco está presente, atento ao fluxo da cena, e oferece ao público uma entrega sincera e comovente. Mesmo nos momentos de pausa e silêncio, a peça mantém um ritmo envolvente, sem perder o fio da narrativa. As transições entre o real e o imaginário acontecem de maneira fluida, refletindo a densidade psicológica e poética da obra de Woolf, sem abrir mão de momentos de leveza e descontração que humanizam os personagens e criam identificação imediata com a plateia.
Há uma força evidente na crítica que o espetáculo propõe, a herança das mulheres que foram interrompidas, no sentir, no falar, no gritar. Esse grito silenciado que dá nome à peça ecoa não apenas na trajetória de Virgínia, mas na experiência coletiva de tantas mulheres que tiveram suas histórias abafadas.
Mesmo ultrapassando um pouco a marca de uma hora de duração, o espetáculo prende a atenção do público do início ao fim. A imersão é tão profunda que o tempo parece suspenso. É impossível não se envolver com a poética da encenação, com os detalhes cuidadosamente construídos e com a força do discurso que se revela em gestos simbólicos e imagens impactantes.
Já acompanhei outros trabalhos da Sim Companhia de Teatro e posso afirmar que eles mantêm um padrão elevado de qualidade, entregando ao público espetáculos marcados por excelência artística e sensibilidade criativa. A estreia, com teatro lotado e fila de espera, apenas confirma a força dessa nova montagem.
“Seguimos nos perguntando: É possível continuar existindo na escuridão?” (Vanessa Corina).