Chiado se inicia com a imagem de duas pessoas em cárcere privado. Uma paisagem distópica, um experimento, uma roda de hamster. Inicialmente, uma pessoa em ponte no centro do palco, imóvel. A plateia entra, o estranhamento começa.
Logo que a peça se inicia, descobrimos se tratar de duas pessoas entrelaçadas, como um só ser.
Quem são? Por quais motivos estão ali? Quem é ele?
O roteiro é extremamente denso, e com a direção de Cristóvão de Oliveira, faz parte de uma atmosfera de dor, de abandono, e os atores nos transportam para um ambiente de torpor onde é quase impossível tirar os olhos da ação de ambos. Em diversos momentos ocorre uma junção de corpos como se os próprios se transformassem em um gigante, mesmo em seu pequeno espaço de hamster, que conta apenas com paredes, cortinas, serragem, duas canecas, uma porta e nenhuma escada. E a falta dele. E a angústia.
Não lembrar de outros rostos é doloroso, não lembrar de outros momentos de outra vida é imensamente doloroso.
Mas quem são esses seres e pq estão ali? Essas são questões que os próprios atores se perguntam, em meio aos gritos e devaneios que marcam o ritmo do espetáculo.
O vazio de alguém – ele – que se foi, é palpável, o tempo passa e se esquece, se lembra, se repete.
O corpo muito bem preparado traz toda a tensão necessária para a peça, os dois atores com expressões não exatamente humanas, mas quase animalescas, em uma partitura criada de forma genuinamente dolorosa para estar em cena e mostrar dor, angústia, frustração. Ausência.
O uso das luzes em tons de amarelo foi feito de forma a incentivar o ambiente tenso, alternando entre luz média e baixa, causando um efeito sensorial no espectador. Em diversos momentos me vi inclinando o corpo para a frente, na expectativa de me tornar mais próxima, pois o ambiente era tão intimista que parecia convidar a participar.
A sonoplastia também tornou-se um elemento sensacional para a construção cênica, presente o tempo todo, chiados, como o próprio título sugere.
Uma peça que te convida a pensar, sentir, ter consciência sobre existências e faltas.