Bandeira de Gilead, país fictício em o Conto da Aia (Reprodução Reddit, aqui)
Em 1934, Adolf Hitler consolidou seu poder na Alemanha, inaugurando um dos períodos mais tenebrosos da história da humanidade. A ideologia nazista, sustentada por uma retórica de supremacia racial e manipulação das massas, foi amplamente aceita e propagada por uma população que, de forma assustadoramente mecânica, repetia a saudacão “Heil Hitler”. Durante o Ensino Médio, muitos de nós nos perguntamos: como uma sociedade inteira poderia apoiar tal regime?
A resposta está diante de nossos olhos. Em 2025, Elon Musk, bilionário e proprietário da Tesla e da plataforma X (antigo Twitter), reproduziu o gesto nazista durante a posse de Donald Trump. Dias depois, Mark Zuckerberg, líder da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), declarou apoio às vertentes mais reacionárias da direita. Entretanto, a mídia tradicional, dominada por conglomerados bilionários, tratou de minimizar tais episódios, enquanto movimentos neonazistas crescem como fagulhas ao vento.
Reprodução: O Globo
O que essas movimentações têm em comum com Gilead, o regime teocrático e totalitário retratado na obra O Conto da Aia, de Margaret Atwood? No romance, facções fundamentalistas cristãs assumem progressivamente o controle do Congresso e do Executivo, moldando a legislação para cercear liberdades individuais e impor dogmas religiosos como norma estatal. A série The Handmaid’s Tale, baseada na obra, expande esse retrato de forma contundente.
Coincidência ou alerta? No Brasil, 228 deputados eleitos em 2023 pertencem à bancada evangélica. Leis propostas por essa frente incluem desde a proibição do casamento homoafetivo até a criminalização do aborto mesmo em casos de estupro ou risco à vida da gestante. 32 desses parlamentares são autores de projetos que visam tornar o aborto um crime imprescritível.
Em Gilead, abortos são punidos com execução pública. Relações homoafetivas resultam em enforcamento. O que era ficção parece cada vez mais ecoar na realidade.
A NOVA ORDEM MUNDIAL
The Handmaid’s Tale. Reprodução: Hulu
Na distopia de Atwood, mulheres ricas vestem azul, homens poderosos usam ternos escuros, mulheres pobres são ‘afortunadas’ com duas opções: vestir o vermelho sangue ou o cinza opaco. Homens pobres vestem preto reciclado. Pela manhã, cuidamos do jardim, à tarde tomamos chá e à noite nos deitamos com nossos maridos e nossas Aias até que elas nos dêem filhos. Tudo lindo, belo como os contos de fadas. Os homens cuidam da guerra que nunca termina (ou nunca existiu).
A mecânica social desse universo é fundamentada na precarização econômica e no controle ideológico, estratégias que também podem ser observadas no mundo contemporâneo. Desde a ascensão da extrema direita no Brasil em 2018, vimos a disseminação da retórica de um “país quebrado”, acompanhada por manipulações de mercado que impulsionaram a inflação, desvalorizando a moeda e ampliando o abismo social. Esse mesmo fenômeno ocorreu durante as eleições nos Estados Unidos em 2024.
A lógica é simples: crise econômica atinge apenas a classe trabalhadora. Bilionários como Musk e Zuckerberg jamais serão afetados pela desvalorização da moeda ou pelo aumento dos juros bancários. O modelo é construído para garantir que a riqueza continue se concentrando no topo, enquanto os demais permanecem escravizados pelo medo, pela fome e pelo endividamento.
A manipulação da economia é acompanhada por uma intensa campanha ideológica. Em 2024, ao anunciar a isenção de impostos sobre alimentos básicos, o governo Lula enfrentou uma reação imediata do “mercado”. O dólar disparou e os preços se ajustaram de maneira artificial, perpetuando a falsa narrativa de instabilidade econômica.
Nos Estados Unidos, a posse de Donald Trump trouxe novas ameaças: anistia aos envolvidos na invasão do Capitólio em 6 de janeiro, retirada do país da Organização Mundial da Saúde e do Acordo de Paris, além da polêmica criação de um “Ministério de Defesa dos Cristãos”. Sob a justificativa de “proteger valores”, instala-se um perigoso mecanismo de exclusão e perseguição.
QUANDO A FICÇÃO SE TORNA REALIDADE
The Handmaid’s Tale. Reprodução: Hulu
Governos autoritários historicamente se sustentam na manipulação religiosa. Ao longo da história, o medo do castigo divino foi utilizado para subjugar populações inteiras. A distopia de Atwood escancara esse mecanismo: em Gilead, por exemplo, vemos uma sociedade de mulheres que são estupradas em nome de Deus (não é ficção, é realidade. Não esquecemos de João de Deus), que perdem o direito de existir (não é ficção, é realidade. Não esquecemos da cultura religiosa que obriga mulheres a andar de saias, cabelos longos e jamais podem trabalhar). Na história, mulheres pobres são obrigadas a se tornarem Aias ou Martas, mas essa opção não é dada a elas. A lógica é simples: Se você pode gerar filhos, você vira Aia. Não nos esquecemos da fala do ex-presidente de que não estuprava uma parlamentar por ser feia demais para isso.
Não se trata de um ataque ao cristianismo, mas de um alerta contra a instrumentalização da fé para perpetuar desigualdades e justificar abusos. Nos bastidores dessa articulação política, não está a preocupação espiritual, mas a sede de controle. Afinal, uma população faminta, aterrorizada e exausta é incapaz de se rebelar.
É na religião que a burguesia consegue instaurar o medo na sociedade (ou você nunca ouviu do Padre ou Pastor que se você deixasse de seguir a Igreja você ia arder no fogo do inferno? Nossa que amor lindo desse Deus, né?) É porque não é Deus que eles querem representar. É a vontade deles, unicamente.
A ascensão do nazismo e da manipulação econômica exige uma resposta ativa. O combate à desinformação e o fortalecimento de discursos progressistas tornam-se cruciais.
Enquanto ainda temos acesso às informações e à liberdade de expressão, o momento é de resistência e mobilização. Caso contrário, o futuro que nos aguarda pode ser ainda mais sombrio do que a distopia de O Conto da Aia. A diferença é que, desta vez, não haverá margem para um final alternativo. Estamos nos aproximando de um fim trágico com matanças em longa escala onde não haverá redentor para descer e arrematar. Estamos a um passo da triste realidade de Gilead.