A Substância: o monstro é você

Demi Moore foi um símbolo sexual nos anos 90. Mulheres queriam ser como ela. Homens queriam sair com ela. Seja com cabelo curtinho e carinha de anjo, ou com implantes de silicone e strip tease, a atriz mexia com os corações de homens de todas as idades.

Ainda bem que os tempos mudaram. 

Hoje em dia somos capazes de entender como a objetificação do corpo feminino causa estragos na vida das mulheres. Ou deveríamos. “A Substância” mostra que, apesar de toda a exposição do tema, tem gente que se recusa a mudar sua postura. Ainda vivemos num mundo onde o machismo opera livremente.

Mas este não é o único assunto do filme. Me arrisco a dizer que não é nem mesmo o ponto principal.

O que você vai ser quando crescer?

Elizabeth Sparkle (Moore) é uma estrela de cinema cuja carreira entrou em declínio, não por falta de talento, mas pelo fato de ter envelhecido. A indústria não tem espaço para mulheres velhas.

Quando perde seu emprego como apresentadora de televisão, Elizabeth decide fazer uso de uma substância que promete lhe trazer a sua melhor versão, mais jovem e mais bonita, de volta. Desde Nicolas Flamel (1330-1418) o elixir da longa vida não era tão desejado.

Nada vem de graça, porém. Quando Elizabeth é alertada de que quanto mais usar a substância, mais perto ficará da morte, já é tarde demais.

“A Substância” é um filme sobre as diversas faces do envelhecimento. Faz uma denuncia sobre como maltratamos o nosso “eu do futuro”, a nossa versão mais frágil que depende da gente para ter uma vida saudável.

Tudo o que fazemos no presente vai cobrar seu preço no futuro. Má alimentação, sedentarismo, abuso de álcool ou de drogas, uso de anabolizantes e procedimentos estéticos, falta de sono, estresse… Somos os únicos responsáveis pelo nosso futuro, e deixar essa conta para que nossos filhos paguem é um grande egoísmo.

Foto: Imagem Filmes

Ruim para todos, pior para as mulheres

Se envelhecer é um desafio para qualquer ser humano, imagine para um do sexo feminino. Mulheres são educadas para serem meigas, bonitas, cheirosas, sorridentes, carinhosas, serventes, caladas…submissas. Quando a mulher aprende que tudo o que tem é a sua beleza, sua vida ganha um prazo de validade. Ainda que continue linda (e que isso não importe).

Junta-se a isso homens nojentos que tratam as mulheres como seus brinquedos, objetos sexuais, ou pior, como insetos. Não por acaso Franz Kafka (1883-1924) é referenciado, indiretamente, quando uma mosca é destacada na tela: sua metamorfose também está presente no filme.

 

Angústia

Esse é um daqueles roteiros cujos plot twists viram tudo de cabeça para baixo, inclusive o gênero do filme. Não dá para dizer que “A Substância” é um filme de terror até o terceiro ato. Ou pelo menos não dá para dizer que o filme seja perturbador. “Grotesco, repugnante, absurdo e chocante” são algumas das palavras que escrevi no meu bloco de notas ao término da sessão.

O excelente trabalho de fotografia materializa o que se passa na cabeça de Elizabeth, como quando ela se rebaixa para entrar numa porta, ou quando seu retrato se faz onipresente (oi Dorian Gray).

Apesar da boa maquiagem e das ótimas atuações de Demi Moore, Dennis Quaid e Margaret Qualley, o que mais me impressionou foi a direção de câmera. A maneira como enquadra e destaca o corpo das mulheres demoradamente, ou como foca na cara nojenta dos homens, nos deixa literalmente constrangidos e com vontade de desviar os olhos da tela.

Confesso que faltou muito pouco para eu deixar o cinema durante o terceiro ato. Quanto mais angustiante fica, menos dá sinais de que vai chegar ao fim. O aperto no peito que se sente chega a doer. Quando a tragédia se concretiza, a mensagem que aparece na tela (um trocadilho em inglês) diz: “o monstro é você”. Errado não está.

Leia também: “Sofia foi”: Cabeça vazia, oficina da tristeza – O Folhetim Cultural

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