“Sofia foi” se vende como um filme independente, mistura de drama com documentário. O que eu vi foi um filme amador, com ótimas ideias mas que poderiam ter sido melhor elaboradas. Ainda assim, é louvável que o diretor Pedro Geraldo tenha entregue a obra com tão pouco recurso (imagino que tenha tido pouco recurso).
Sofia é uma mulher de 23 anos completamente perdida. Forçada a sair do apartamento onde morava de favor e sem ter para onde ir, decide passar a noite na Universidade de São Paulo, onde faz tatuagens para conseguir algum dinheiro.
Tema importante, abordagem perigosa
Assim como “Meu Casulo de Drywall”, este é um filme depressivo. Ambos apontam o difícil relacionamento entre pais e filhos como a gênese de todos os problemas, ainda que “Sofia foi” deixe isso nas entrelinhas.
“O trabalho dignifica o homem” é uma frase de Max Weber (1864-1920), considerado um dos pais da sociologia. Com tanta discussão sobre a exploração do homem pelo homem, o trabalho foi demonizado. Antes disso, porém, o poeta inglês William Cowper (1731-1800) disse que “a falta de ocupação não é repouso; uma mente absolutamente vazia vive angustiada”.
Somos levados a acreditar que temos o direito de fazer o que gostamos e sermos bem remunerados por isso. Escolher uma profissão que nos traga felicidade e dinheiro. Ainda que isso seja uma parte da verdade, é preciso falar também sobre a necessidade de se tomar as rédeas da própria vida.
Não é normal – e não deveria ser normalizado – uma pessoa de 23 anos morar de favor, não ter emprego, não fazer dinheiro suficiente para a sua própria subsistência. Menos ainda viver nestas condições e ainda assim frequentar festas, usar drogas, ou sofrer “por amor”, como um adolescente. Quem tem 23 anos é adulto.
Igualmente anormal é o fato de alunos da maior universidade pública do país levarem até o dobro do tempo previsto para se formar, enquanto outras pessoas esperam pela oportunidade de ocupar aquele espaço. Isso é glamourizar uma vida sem disciplina e sem responsabilidade.
Esse jeito de viver pode levar a sérios problemas emocionais – como os de Sofia – típicos de quem não sabe o que deveria fazer com a própria existência, de quem tem a mente vazia e angustiada – vazia pela falta de objetivos, angustiada pela falta de perspectiva.
Vale pela ambição
É difícil afirmar se o diretor enaltece ou critica o estilo de vida dos jovens retratados no filme. Longe de ser um problema, isso é, na verdade, um dos méritos do longa, assim como a maneira que o texto vai desvelando os acontecimentos na medida certa para manter o bom andamento da história.
Se o roteiro contribui para nos manter interessados, a direção de câmera faz justamente o contrário. O filme tem tomadas longas e estáticas, que lembram o Alien de 1979, e que deixam o longa um tanto sonolento. Pode ser uma forma de mostrar a estagnação da personagem? Sim. Faz bem para a experiência de se assistir o filme? Não.
A fotografia abusa de closes numa escolha tão questionável quanto o uso massivo do vermelho numa paleta de cores sem muita inspiração. O mérito aqui é como o diretor mostra a decadência física (e talvez moral) da universidade, retratada como um espaço mal-assombrado, assim como a mente de Sofia.
O trabalho de sonoplastia acerta bastante ao destacar os sons ambientes (quem já esteve na USP sabe que o barulho do trem é quase onipresente). As músicas diegéticas também agregam, como o funk tocado na festa, totalmente alinhado com o estilo de vida retratado. Já o heavy metal que surge do nada numa das cenas, não agrega muita coisa.
Por fim, apesar do bom ritmo empregado pelo texto, faltam elementos para que a gente se apegue à Sofia, sinta empatia por ela. Numa decisão ousada, o diretor optou por gravar poucos diálogos e acabou perdendo a mão, “enxugou” demais. Neste caso, poderia ter usado ainda mais flashbacks para nos convencer de que devemos sentir a dor da protagonista.
“Sofia foi” é um bom filme de estreia para o diretor Pedro Geraldo, mas o público provavelmente tem coisas melhores para assistir.
Sofia foi estreia nesta quinta-feira, 19/09.
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One thought on ““Sofia foi”: Cabeça vazia, oficina da tristeza”
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