Poesia nos corpos em ‘outono’, da cia mineira de teatro

É outono no hemisfério sul do planeta; caem as folhas das árvores.

Talvez, esse seja o momento perfeito para desacelerar, e respeitar as pausas, os respiros.

Talvez, seja hora de correr entre as cadeiras da sala de jantar, ou então cantar em frente aos ventiladores, nos dias de veranico.

A cidade passa; o tempo passa; a vida passa.

Talvez, seja agora o momento de respeitar a natureza – de todas as coisas.

Talvez, seja essa a hora de imitar, os ponteiros dos relógios.

Esses foram alguns dos muitos sentimentos que me rondaram durante e após “Outono”, da Cia Mineira de Teatro. Dirigido por Diogo Matos e estrelado pelos atores-bailarinos Priscila Natany e Júnio de Carvalho, a companhia da cidade de São João del Rei – MG, presenteia o público com partituras cênicas que nos prende do início ao último segundo do espetáculo.

“Outono” apresenta com maestria a coreografia de dois corpos e das pequenas grandezas que atravessam seus dias. Como pinturas que se movem em telas, os artistas pincelam a delicadeza, a fragilidade, a solidão e a potência de ser humano. Humanidade que transforma o nada e o nada que transforma a humanidade – fragmentos de vida, tempo e espaço.

Enclausurados, os artistas interagem com o espaço ao redor, cadeiras, ventiladores, a planta seca em seu pesado vaso, guiados por uma sonoplastia intimista, que integra a dramaturgia da cena. Os corpos exploram o espaço, desejando alcançar algo que não é tangível, tampouco permitido. Liberdade, talvez? Talvez.

A Cia Mineira fez parte da Minas Mostra, que contou com três espetáculos e três oficinas de companhias mineiras: além de “Outono”, o drama “Gold” (Belo Horizonte) e o espetáculo infantil, “Café com leite” (Juiz de Fora) ocuparam o palco da Caixa Cultural integrando a programação do Fringe.

É difícil expressar o quão precioso esse encontro entre poesia, música, pintura, dança, teatro, cinema, fotografia, enfim, todos os elementos cênicos de “Outono” reverberaram em mim. Nesse processo de digerir o espetáculo e ruminá-lo constantemente, lembrei-me das potentes palavras da poeta portuguesa Matilde Campilho durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no ano de 2015, cuja obra foi uma das inspirações para a construção do espetáculo. Disse Campilho:

“ A poesia, a música, uma pintura, não salvam o mundo. Mas salvam o minuto.

Isso é suficiente. A gente está aqui para dançar um pouquinho sobre os escombros. ”

Dançamos juntos, nos escombros, e nas folhas secas que caem ao solo, nesse início de outono, no hemisfério sul do planeta.

 

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