Os Mambembes não é um espetáculo para o palco italiano

Reprodução Annelize Tozetto

A abertura da 33ª edição do Festival de Curitiba, realizada ontem (24), reafirmou a relevância desse evento no cenário teatral brasileiro. Como de costume, a curadoria primou por uma seleção criteriosa de espetáculos nacionais e internacionais, consolidando a reputação do festival como um dos mais aguardados tanto pelo público quanto pela classe artística. No entanto, a escolha de “Os Mambembes” como obra de abertura trouxe questionamentos sobre sua adequação ao contexto solene da noite inaugural.

Trata-se de uma adaptação contemporânea de “A Gaivota”, de Tchekhov, que propõe um diálogo entre as reflexões da dramaturgia russa do século XIX e as inquietações do tempo presente. A concepção original do grupo carioca apostou na dinâmica do teatro de rua, com apresentações itinerantes por cidades carentes de equipamentos culturais. Nesse formato, a montagem floresceu em sua plenitude. No entanto, sua transposição para o Teatro Positivo evidenciou uma dissonância estrutural incontornável.

Não é segredo que a solenidade de abertura do Festival de Curitiba é um evento de grande projeção institucional, frequentado por patrocinadores e personalidades do meio cultural. “Os Mambembes”, com sua vocação essencialmente popular e interativa, sofreu ao ser deslocado para a rigidez do palco italiano. Sua concepção cênica, fundamentada na proximidade física e na espontaneidade do teatro de rua, perdeu vitalidade diante de uma plateia distanciada, dificultando a comunicação orgânica entre atores e espectadores.

O impacto foi notável: improvisações que, em situações normais, serviriam para dinamizar a narrativa, soaram artificiais e deslocadas. Um exemplo evidente foi a alusão à suposta pressão da organização para encerrar o espetáculo. 

Ainda assim, alguns aspectos merecem reconhecimento: a escolha de alternância entre atores e atrizes nos papéis principais demonstrou a versatilidade e o talento do elenco. A iluminação, a trilha sonora e o figurino foram concebidos com esmero e coesão, e a cenografia, embora estéticamente interessante, evidenciou sua fragilidade conceitual. O espaço cênico, adaptado às exigências do palco fechado, carecia da vivacidade que a cenografia original, incorporando o próprio ônibus da trupe, possuía. O recurso de um ‘pano’ (na falta do termo adequado) suspenso para criar profundidade foi uma solução paliativa que não reproduziu, com eficiência, o impacto visual da versão itinerante.

Em síntese, a transferência do espetáculo para um ambiente formal revelou uma desconexão entre a natureza da obra e o espaço que a abrigou. Trata-se de uma premissa fundamental na arte teatral: um espetáculo não é simplesmente transportável de um suporte para outro sem que se percam suas qualidades essenciais. Em uma ocasião tão significativa como a abertura de um festival dessa magnitude, talvez fosse necessário repensar se essa montagem caberia melhor em um espaço externo, como o gramado da Universidade Positivo, ou até mesmo em uma praça. 

A Conduta do Público e o Respeito ao Evento

Outro ponto que merece reflexão é a postura do público ao longo da noite. Após o espetáculo, Milton Cunha, em sua presença sempre vibrante, assumiu o papel de mestre de cerimônia para conduzir a solenidade oficial. Contudo, a resposta da plateia foi desapontadora. Uma parcela significativa do público, sem a menor cerimônia, começou a se retirar, ignorando a importância do momento.

Entendemos que eventos protocolares podem ser longos e, por vezes, monótonos. No entanto, é essencial lembrar que um festival desse porte é realizado com recursos públicos e que o mínimo esperado é uma atitude de respeito. A partida prematura de tantos espectadores reduziu a solenidade a um eco, deixando Milton Cunha e os convidados diante de um teatro esvaziado e permeado pelo burburinho da dispersão.

No cômputo geral, a festa de abertura apresentou avanços positivos: ativações de marcas interativas, um ambiente festivo e um espaço propício à confraternização. Entretanto, a escolha do espetáculo de abertura e a conduta do público são aspectos que demandam revisão para que o Festival de Curitiba mantenha sua excelência e coerência na curadoria e na experiência proporcionada a seus participantes. Afinal, quem não gostaria de ver um grande patrocinador tendo a experiência de um teatro de rua?

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