No longa O Silêncio das Ostras, o diretor Marcos Pimentel conduz o espectador por uma narrativa densa e profundamente enraizada na realidade de comunidades atingidas pela mineração. A história acompanha Kaylane, uma jovem que nasceu em uma vila operária construída ao redor de uma mina e, desde a infância, é forçada a lidar com sucessivas perdas. Com o fim das atividades extrativistas, o local se esvazia, transformando-se em uma cidade-fantasma. Sem ter para onde ir, ela permanece ao lado de seu cachorro, enquanto todos os demais partem. É quando o rompimento de uma barragem varre o que ainda resistia, soterrando memórias, casas e futuros. Mesmo assim, Kaylane não cede. Permanece viva. Insiste em resistir.
Apesar de ser uma obra de ficção, o filme é construído a partir de histórias reais, relatos de moradores e lembranças coletivas de uma região marcada por abandono e tragédia. A ideia surgiu antes mesmo dos rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho, o que confere à obra uma dimensão ainda mais urgente. Pimentel não se limita a narrar uma catástrofe ambiental, mas volta os olhos para o que existia antes dela. Mostra como era a vida naquela vila, quem eram aquelas pessoas, o que sonhavam e o que perderam.
Kaylane é uma figura que destoa do ambiente ao seu redor. Ela carrega uma estranheza que a torna familiar e única. Em certo momento do filme, um personagem diz: “Você é esquisitinha, mas gosto de você”. A frase sintetiza a relação do público com a protagonista. Sua decisão de permanecer em uma vila devastada soa incompreensível, até mesmo para seus irmãos. “Por quê?”, eles perguntam. A resposta nunca vem de forma direta, mas se desenha aos poucos, à medida que compreendemos o significado da permanência num mundo que exige partida.
Ao contrário da lógica contemporânea, marcada pela produtividade, performance e competição, Kaylane não busca sucesso nem reconhecimento. Sua existência escapa ao ciclo de autoexploração descrito pelo filósofo Byung-Chul Han, que analisa como o neoliberalismo transformou o sujeito em seu próprio patrão. Em Kaylane, não há metas, apenas memória, luto e persistência.

A mineração aparece como símbolo de destruição. Não apenas destrói a paisagem, mas esgota os vínculos humanos, suga os recursos e segue adiante, deixando terra arrasada e comunidades fantasmas. O Silêncio das Ostras denuncia esse ciclo com delicadeza e firmeza. É um filme sobre perda, mas também sobre o que permanece mesmo depois de tudo ter desaparecido.
Gravado em cenários reais, com figurantes da própria região, o longa ganha uma carga emocional que não se alcança com reconstituições artificiais. A terra que aparece na tela é a mesma que foi ferida, as vozes que se ouvem são as de quem viveu o trauma de perto. A obra se sustenta pela verdade que carrega em cada plano.
O filme também toca em uma contradição incômoda: grandes mineradoras, como a Vale, são financiadoras frequentes do cinema nacional. Nesse cenário, uma produção que denuncia os impactos da mineração assume um papel de resistência dentro da própria indústria cultural. Por isso, O Silêncio das Ostras precisa ser visto, debatido e preservado. Até hoje, nenhuma grande empresa foi responsabilizada pelos crimes ambientais de Mariana e Brumadinho. As únicas vítimas reconhecidas continuam sendo o povo e a natureza.
Mais do que uma denúncia, o filme é um chamado à reflexão. Quando o fim do mundo chega, ele chega para todos. O Silêncio das Ostras nos lembra disso com uma força que não se grita, mas se impõe no vazio das ruínas e no silêncio de quem ficou.