O corpo e a cidade em ‘Asa Serpente’

Há inúmeras maneiras de contar uma história e há inúmeras maneiras de interpretá-la; há também, maneiras distintas e únicas de vivê-la.

“ASA SERPENTE” da Cia de Teatro da UFPR proporciona ao público uma experiência sensorial, um atravessamento de palavras, sons, luzes, corpos – vida. Vida que atravessa as ruas, vida que pulsa além dos itinerários, das rotinas, das possibilidades de cada corpo que habita a cidade.

Cidade.

Proveniente do termo em latim “civitate”, ao longo do tempo, o conceito da palavra se difundiu por diferentes pontos de observação. Ildefonso Cerdá (1867, p. 169), um dos fundadores do urbanismo moderno, ao estudar a expansão de Barcelona, afirmou serem as cidades, “[…] fragmentos das épocas passadas muito mal reunidas”.

Pensando em Curitiba, palco do maior Festival de Artes Cênicas da América Latina me questiono: quais são os corpos que possuem o direito de viver a cidade? Quais são os corpos que possuem o direito de pertencer à famosa “capital europeia, inteligente, modelo”?

ASA SERPENTE é uma das muitas respostas à essa conservadora corrente.

O espetáculo inicia com os atores em roda, ao som progressivo da música eletrônica, em uma espécie de ritual, ritual esse que aos poucos escoa e perpassa os distintos corpos que compõem a plateia.

Apresentado no Palco Ruínas, céu aberto, arquibancada cheia, somos convidados a dançar juntos as “coreopolíticas” que se desenrolam através da dramaturgia de Rafael Lorran, e da performance individual e coletiva de cada artista – destaco aqui o incrível trabalho de Priscilla Pontes como preparadora corporal.

Outro destaque da montagem é a sonoplastia que conta com a direção musical de Nelson Sebastião e criação e produção de beats de Leonardo Gumiero. A sonoridade da peça é essencial à dramaturgia e no espaço aberto, mistura-se ao que é verdadeiramente público: à diversidade e a democracia dos sons. Irônico pensar que no início do espetáculo (28/03) um helicóptero barulhento (muito provavelmente da polícia) circundava nossas cabeças, parecendo procurar algo ou alguém com afinco. “Uma possível censura?”, pensei, em tom de brincadeira, mas com medo da resposta (afinal, repressão política é bem europeu e parece nunca sair de moda, não é mesmo?).

Igualmente calorosa é a entrega de cada um dos artistas no palco, que representam com maestria a resistência do teatro universitário no sul do país – aliás, recomendadíssima a peça à comunidade acadêmica da UFPR, principalmente aos do campus onde reside a companhia.

Esse texto acaba assim; talvez, um pouco bagunçado, mas escrevo com vários sentimentos. Euforia, esperança, revolta. Mas acima de tudo, agradecida pela (r)existência da Arte.

ASA SERPENTE está em cartaz no Palco Ruínas ainda nessa sexta (29/03) e no sábado (30) às 20h, com entrada gratuita.

Créd.: Humberto Araujo

LOCAL: Palco Ruínas, Av. James Reis, S/N, Centro

FICHA TÉCNICA: Companhia: CIA DE TEATRO DA UFPR | Direção e Dramaturgia: Rafael Lorran | Elenco: Amanda Afonso, Amanda Naito, Anna Miranda, Cindy Kathellen, Colombina Gasparelo, Fabiene,  Iris Xavier,  Jessé Furquim, Juan Augusto, Laryssa Setim, Letriiicia,  Maisa Ribeiro, Majo Farias, Mila Girassol, Murilo Marochi, nicK Bildre, Pauline Celestino, Raiane Lima, Rúbia Rodrigues. | Preparação Corporal: Priscilla Pontes | Direção Musical: Nelson Sebastião | Composição e Produção dos Beats (beatmaker): Leonardo Gumiero | Operação de trilha: Levi Hilgemberge | Criação e Concepção de Figurino: Ayala Prazeres | Assistência figurino: Noah Mancini | Preparação Vocal: Juni Bochne | Iluminação: Juliane Rosa

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