O Corpo de Jacinta: Um “livro” macabro na faculdade de Direito

Em 1900, numa noite fria no centro de São Paulo, Jacinta Maria de Santana, uma mulher negra de aproximadamente 30 anos conhecida por sua personalidade combativa e histórico de detenções por comportamento e alcoolismo, passava mal enquanto perambulava pelas ruas. Levada à Santa Casa de Misericórdia, não resistiu e faleceu devido a complicações cardíacas.

Na mesma época, Amâncio de Carvalho, um dos mais renomados cirurgiões do país, introduzia o ensino de medicina legal na Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo São Francisco. Sua visão peculiar sobre a morte o levava a considerar os cadáveres como “livros” a serem dissecados e interpretados.

Bem-conceituado na sociedade paulistana, o doutor dedicava-se ao estudo do embalsamamento, tendo inclusive preservado o corpo de uma criança para exposição na delegacia. Além de suas atividades médicas, Amâncio de Carvalho era o Presidente Honorário da Sociedade Eugênica Brasileira, instituição que promovia o “aperfeiçoamento físico e moral” da humanidade, defendendo abertamente o “branqueamento” da população. Em reconhecimento a suas contribuições, recebeu diversas homenagens, incluindo a nomeação de uma rua em São Paulo.

Unica fotografia conhecida de Jacinta tirada em 1929 deitada num caixao. | Foto: Diario Nacional/Biblioteca Nacional

Em 26 de novembro de 1900, o Dr. Amâncio recebeu o corpo de Jacinta Maria de Santana para estudos. Ele a embalsamou e a expôs na Faculdade de Direito da USP, onde o cadáver permaneceu por cerca de três décadas.

A múmia de Jacinta foi pendurada pelos cabelos e exibida em uma caixa de vidro selada, tornando-se objeto de trotes e brincadeiras degradantes por parte dos estudantes. Os calouros eram forçados a beijá-la, e o corpo, apelidado de diversas formas, como Raimunda, servia ocasionalmente como um macabro cabide para chapéus e capotes.

Morte e Sepultamento

Amâncio de Carvalho faleceu e foi sepultado no Cemitério São Paulo em 17 de julho de 1928. Um ano depois, em junho de 1929, atendendo ao pedido de sua viúva, Emília da Silva Carvalho, o corpo mumificado de Jacinta Maria de Santana foi finalmente sepultado no mesmo cemitério, em uma sepultura perpétua. Assim, Jacinta encontrou descanso um ano após a morte do médico que a havia embalsamado e exposto.

Em 10 de Abril de 2021, após uma reportagem exibida na Ponte, site de jornalismo independente, sobre a múmia de Jacinta, de acordo com a reportagem, Jacinta nunca foi identificada, não tinha endereço e nem parentes, que reclamassem o corpo

estudantes de direito de São Paulo, foram as ruas protestar contra as homenagens concedidas a Amâncio de Carvalho, a partir daí a Faculdade de direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) passou a discutir se retira ou mantém na instituição a Homenagem.

Atualmente, a sepultura de Amâncio de Carvalho pode ser vista e visitada no Cemitério São Paulo, assim como a travessa no Largo São Francisco que leva o nome do homenageado.

O túmulo de Jacinta desapareceu. Há relatos de que ela teria sido enterrada com o nome de Raimunda.

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