Nostalgia e Cinema: o retorno de grandes clássicos da sétima arte

Ao longo de mais de 100 anos de existência, o cinema, enquanto mídia e expressão artística, passou por diferentes tendências ao longo das décadas. Nos anos 1940, os filmes noir de investigação viviam seu auge; o faroeste foi uma temática extremamente popular nas décadas de 1950 e 1960; e os anos 1980 foram marcados pelos longas de ação brucutu e pelo terror slasher.

Ao analisarmos os grandes filmes da primeira década do século XXI, percebemos que os anos 2000 foram marcados pela ascensão de grandes franquias, como O Senhor dos Anéis (2001–2003), Harry Potter (2001-2011), Velozes e Furiosos (2001–atualmente), Transformers (2007–atualmente), Piratas do Caribe e o subgênero dos super-heróis, com as trilogias X-Men (2000–2006), Homem-Aranha (2002–2007), Batman: O Cavaleiro das Trevas (2005–2012) e o início do Universo Cinematográfico Marvel com Homem de Ferro (2008).

Já a década seguinte, os anos 2010, demonstrou uma clara continuação dessa tendência, com as salas de cinema sendo dominadas por múltiplas continuações de franquias e filmes de super-heróis. No entanto, um elemento se destaca com força a partir desse período, moldando não só a forma como Hollywood produz seus filmes, mas influenciando diretamente o gosto e os desejos do público: a nostalgia.

Essa tendência, estendida à maior parte da década de 2020 até o momento, é marcada pelo ressurgimento de franquias clássicas do cinema, que exploram a nostalgia do público que cresceu com essas obras como um de seus principais atrativos. As novas trilogias de Star Wars (2015–2019), Jurassic World (2015–2022), Halloween (2018–2022), as sequências de Os Caça-Fantasmas (2016, 2021 e 2023), Blade Runner 2049 (2017), Top Gun: Maverick (2022), Indiana Jones e o Chamado do Destino (2023) e Gladiador II (2024) são apenas alguns exemplos dessa prática.

Isso sem mencionar a onda de remakes de animações clássicas, encabeçada pela Disney. O sucesso de produções como Alice no País das Maravilhas (2010), Malévola (2014) e Cinderela (2015) levou o estúdio a apostar cada vez mais nesse formato. Desde o início da década, mais de 20 remakes live-action foram produzidos, com diversas dessas produções, como Alice, A Bela e a Fera (2017), O Rei Leão (2019) e Aladdin (2019), ultrapassando a marca de US$ 1 bilhão em bilheteria.

Reprodução: Disney

Você provavelmente já ouviu, ou até mesmo pensa, que o cinema atual vive uma crise criativa, na qual a maioria dos filmes são remakes ou continuações de franquias antigas, sempre guiados pela nostalgia. Por mais que projetos desse tipo estejam em alta, o conceito de remakes e continuações excessivas não é novidade em Hollywood.

Nasce Uma Estrela é um filme originalmente lançado em 1937 e que ganhou nada menos que três remakes: em 1954, 1976 e 2018. Diversos filmes da era do cinema mudo receberam novas versões ao longo dos anos. As décadas de 1980 e 1990 foram repletas de sequências de qualidade, no mínimo, questionável, especialmente no terror, com franquias como Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo.

Entretanto, por que esse efeito nostálgico se intensificou tanto no cenário do cinema blockbuster moderno? Há duas possíveis respostas. A primeira, mais romantizada, é a de que essas produções funcionam como cartas de amor às franquias e aos fãs, celebrando o carinho do público de longa data e oferecendo uma chance de apresentar esse universo a novas gerações. A segunda e, francamente, mais realista, é simples: dinheiro.

O cinema é, simultaneamente, uma forma de expressão artística e uma indústria multibilionária que movimenta cifras astronômicas. Em 2024, por exemplo, foram arrecadados cerca de US$ 30 bilhões em bilheterias ao redor do mundo, segundo dados do Deadline. Portanto, é fundamental entender o contexto da indústria cinematográfica atual para compreender o fenômeno dos remakes e continuações nostálgicas.

Com a popularização dos serviços de streaming e do conteúdo sob demanda, especialmente após a pandemia, o público tem comparecido cada vez menos às salas de cinema. Segundo levantamento da Ancine, em 2023, foram vendidos 114,1 milhões de ingressos no Brasil. Embora superior aos números dos anos pandêmicos, esse volume ainda está muito abaixo do patamar pré-pandemia.

Reprodução: O Globo

O modelo de negócios de Hollywood teve de ser completamente reestruturado com o avanço do streaming e a morte do DVD. Em entrevista ao talk show Hot Ones, em 2021, o ator Matt Damon explicou que a venda de DVDs era essencial para o faturamento de um filme. Caso uma obra não tivesse bom desempenho nas bilheteiras, o estúdio ainda poderia recuperar o investimento por meio do home video e do aluguel. “[…] era quase como lançar o filme novamente e, quando isso desapareceu, mudou o tipo de filme que poderíamos fazer”, explica Damon.

“Conversei com um executivo do estúdio que me explicou que esse era um filme de US$ 25 milhões. Eu teria que investir esse valor em publicidade para promovê-lo… Então, estou com US$ 50 milhões. Preciso dividir tudo o que recebo com os exibidores e donos de cinemas, portanto, preciso arrecadar US$ 100 milhões antes de obter lucro. E a ideia de faturar esse valor com uma história de amor entre duas pessoas… de repente, se torna um grande risco”, acrescenta.

Tudo isso explica por que vemos, cada vez mais, obras familiares e “requentadas”: trata-se de um investimento seguro. Com o cinema se tornando um negócio cada vez mais caro e arriscado, é mais conveniente para os estúdios apostarem em remakes e continuações de franquias consagradas do que em ideias originais, que precisarão conquistar esse apelo do zero. Afinal, é muito mais fácil vender (ou revender) algo conhecido do que um conceito inédito.

Nostalgia vende. É um atrativo poderoso — e as bilheterias bilionárias comprovam isso. O público é atraído pelo familiar, como explica o pesquisador de cinema e professor universitário Jason Davids Scott, em entrevista ao portal The State Press:

“A história do show business é a de recriar histórias em novas formas e com novos corpos. Como espécie, a maioria de nós vem de culturas baseadas na tradição oral, marcadas pela repetição. Nós ansiamos pelo familiar de uma forma que parece imediata e nova. A qualidade da produção não importa, desde que ela evoque uma sensação de infância.”

O roteirista e professor universitário Greg Bernstein também comenta, ao The State Press:

“Faz mais sentido financeiramente para os estúdios não financiarem um filme original e menor, mas sim investirem no próximo remake ou continuação, porque é isso que o mercado responde no fim das contas. Ao observar os fatores de demanda, o gosto dos consumidores tem um grande impacto. Se eles querem familiaridade, as empresas vão responder a isso para obter o máximo lucro.”

“Hollywood só está interessada em uma coisa — e essa coisa é o dinheiro”, conclui Bernstein. “Eles não fazem algo por um sentimento nostálgico ou saudosista. São como qualquer outro negócio: estão nisso pelo lucro.”

Ainda assim, é importante destacar que os grandes estúdios não são os únicos responsáveis por esse fenômeno. O próprio público contribui fortemente para a perpetuação desse modelo de mercado. Como qualquer engrenagem do sistema capitalista, as empresas exploram ao máximo fontes lucrativas até que elas sequem. Quando não houver mais lucro, será hora de reinventar o modelo.

Reprodução: Mickey 17

Uma reclamação recorrente do público é a falta de filmes originais nos cinemas. No entanto, quando um título original como Mickey 17 (2025) — um longa de ficção científica dirigido por Bong Joon-ho (Parasita), estrelado por Robert Pattinson e com orçamento de US$ 118 milhões (sem contar o marketing) fatura apenas US$ 131 milhões mundialmente, enquanto o remake live-action de Lilo & Stitch (2025) se aproxima da marca de US$ 1 bilhão, surgem questionamentos sobre uma certa hipocrisia por parte do próprio público.

No fim das contas, o que podemos interpretar de tudo isso? Modas vêm e vão, e Hollywood sempre irá capitalizar tendências que aumentem sua margem de lucro, como a história já mostrou inúmeras vezes. Nostalgia e sequências de franquias amadas são a tendência do momento.

Este texto não tem a intenção de demonizar a existência de remakes ou continuações nostálgicas. Muitos dos filmes citados aqui são, inclusive, obras que me agradam pessoalmente, seja por sua trama ou pelo alto nível técnico. Entretanto, trata-se de uma tendência delicada do ponto de vista artístico, uma vez que cada vez menos obras originais ganham espaço e atenção. As produções recentes da Pixar são um exemplo claro dessa disparidade, com diferenças grotescas entre as bilheteiras de filmes originais e suas respectivas sequências.

Claro, sempre existirão exceções, pontos fora da curva, como o recente Pecadores, uma produção de terror aclamada por público e crítica, que faturou US$ 361 milhões com um orçamento de US$ 90 milhões. Mas é difícil ignorar a sensação de que esses casos estão se tornando cada vez mais raros.

Foto de Capa: Pecadores – Reprodução Warner Bros

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