Fechado há quase duas décadas, o Cine Ipiranga, um dos ícones do circuito cultural de São Paulo, reabrirá as portas em 12 de abril para receber a 1ª Mostra Angústia de Cinema. A iniciativa é do ateliê de arte experimental Angústia, em parceria com a produtora MyMama Entertainment, e transforma por uma noite o espaço abandonado em palco para narrativas urgentes — seis curtas-metragens que atravessam questões sociais centrais do Brasil contemporâneo, resultado de mais de dez anos de produção dos artistas envolvidos.
Inaugurado em 1943 e tombado como patrimônio histórico, o Cine Ipiranga já foi sinônimo de glamour e modernidade. Desde 2005, porém, permanece fechado — à época, encerrou suas atividades com apenas seis espectadores em sua última sessão. Agora, esse mesmo espaço será reocupado simbolicamente por uma programação que tensiona, provoca e convida à reflexão.
As produções têm direção de Fabrício Brambatti, conhecido como Urso Morto — fundador da Angústia, artista visual e diretor de cena da MyMama —, de Tommaso Protti, fotógrafo italiano radicado no Brasil há dez anos e colaborador de veículos como The New Yorker, The Guardian e Le Monde, e de Carol Pires, roteirista indicada ao Oscar 2020 por Democracia em Vertigem e autora do podcast Retrato Narrado (Spotify). A curadoria parte do enfrentamento: os filmes se debruçam sobre as múltiplas formas da violência — contra mulheres, povos originários, migrantes —, mas também sobre a coragem de quem ousa contar essas histórias.
“Na MyMama, acreditamos na importância de dar visibilidade a vozes urgentes e aos criadores com a coragem de transformá-las em obras. Fabrício, o Urso Morto, é um artista consolidado, com um olhar único e necessário. Sua obra merece espaço, alcance e atenção. Realizar a Mostra no Cine Ipiranga é também um ato simbólico: reocupar um patrimônio histórico esquecido para contar histórias que não podem mais ser ignoradas”, afirmam Mayra Faour Auad e Gabrielle Auad, sócias-fundadoras da MyMama Entertainment.
A mostra será aberta com a exibição de As 7 Mortes de Pedro, curta que parte da teoria de um menino de que só há sete maneiras de morrer. A programação segue com Brasil Impossível, que tensiona os contrastes do país, Meu Coração Já Não Aguenta Mais, filme que estreou no Festival do Rio e retrata o colapso dos sonhos em um futuro esgotado, e Cativeiro, um olhar sobre os cárceres — físicos e subjetivos — que impomos a nós e aos outros.
Entre os destaques, está a estreia nacional de Maldito Darién, dirigido pelo trio Fabrício Brambatti, Tommaso Protti e Carol Pires. O filme acompanha migrantes que arriscam a vida cruzando a perigosa região do Darién, única ligação terrestre entre América do Sul e Central. Outro ponto alto da programação é Terra Vermelha: Uma vida e morte na Amazônia Brasileira, codirigido por Brambatti e Protti, e fruto de uma década de cobertura das crises ambientais e sociais da região.
“Essa Mostra é a concretização de dez anos de investigação e criação da Angústia e reúne os trabalhos mais impactantes que os nossos membros produziram. São filmes experimentais, que falam sobre assuntos negligenciados, mas que o debate é fundamental. Queremos gerar conversas frescas, movidas pela coragem de tocar nas feridas velhas e encarar a realidade como ela é”, afirma Urso Morto.
Além das exibições, o público poderá participar de mesas de debate com nomes relevantes das áreas de cultura, saúde mental, direitos humanos e migração. Entre os convidados estão a psicanalista Vera Iaconelli, o analista descolonizador Kwame Yonatan Poli dos Santos, a chefe do escritório do ACNUR em São Paulo, Maria Beatriz Nogueira, os artistas Fernando Macario, Palomaris e Tifani — esta última, uma imigrante congolesa que atravessou o Darién. Os diretores Urso Morto e Tommaso Protti, e a curadora de artes Vera Nunes também participam. Haverá ainda exposições fotográficas, performances e outras intervenções artísticas.
A 1ª Mostra Angústia de Cinema é mais do que um evento audiovisual: trata-se de um gesto político, um movimento de reocupação simbólica de um espaço esquecido para dar lugar às vozes que o tempo insiste em silenciar. Em meio aos escombros do Cine Ipiranga, a arte volta a pulsar — inquieta, crítica, viva.
A entrada é gratuita. Os ingressos podem ser reservados pela plataforma Sympla ou retirados no local no dia da mostra. As exposições e performances são abertas ao público sem necessidade de ingresso.