“Mademoiselle Noir”, espetáculo do Modulado de Pesquisa Teatral, movimentou a programação do Fringe nessa última edição. Junto à peça “A Máquina”, o grupo lotou o novo espaço cultural de Curitiba – Koluderê Vivência Teatral, entre os dias 27 de março à 02 de abril.
A história gira em torno da misteriosa figura fantasmagórica de Mademoiselle Noir, um espírito solitário que assombra as mulheres de um vilarejo, onde moram personagens icônicos, como A Baronesa e sua família. Ela, figura importantíssima do lugar, contrata dois investigadores medrosos e paranormais para encontrarem uma solução para a aflição que assola a cidade.
E assim se inicia o desenrolar do novelo.
Com muita música, dança e um humor sarcástico e perspicaz, a montagem usa elementos do terror e de clássicos da literatura gótica, embasando o trabalho em textos como “Fausto” e “O Castelo de Otranto”. Além disso, o grupo usou referências visuais baseadas nas obras de Tim Burton e em desenhos retrôs como “Xicrinho e Caneco”.
A trilha sonora é um dos grandes destaques da peça; os músicos Carlos Lopes, Isabel Gabiatti e Gab embalam primorosamente o desenrolar da trama, que utiliza a música também como elemento dramatúrgico. “Madmoiselle Noir”, single que dá título à peça, é originalmente uma canção em inglês da cantora finlandesa Peppina, e foi traduzida e arranjada pelos músicos exclusivamente para a produção do espetáculo. Além disso, o trabalho se inspirou e utilizou canções do musical “Tangos e Tragédias”, da dupla gaúcha Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky (in memorian), que marcou a história das artes cênicas brasileira.
Não somente a música, mas todos os demais elementos visuais e cênicos da montagem nos permitem viver de maneira orgânica a experiência artística que nos é ofertada. É nítido a qualidade da preparação corporal e vocal do elenco, fruto de um trabalho minucioso de André Meirelles e Isabel Gabiatti, e do extremo profissionalismo que permeia todos os processos criativos do Modulado. “Madmoiselle Noir” é uma peça dos sentidos; te proporciona experiências sensoriais diversas e te convida a passear através da imaginação. E isso se deve muito, também, ao uso das formas animadas. No espetáculo são utilizados máscaras e capacetes de meio rosto, de expressões exageradas, além de cenas de teatro de sombras e referências ao mambembe. Todos esses elementos são essenciais para o tom e estilo visual da peça que nos remete à um universo cartunesco.
As montagens do Modulado de Pesquisa Teatral, que pesquisam e se apropriam de diferentes linguagens cênicas, proporcionam aos espectadores histórias com referências que passeiam entre diferentes estilos, técnicas e eixos artísticos.
Sempre de sala cheia, os processos criativos do MPT são baseados em uma filosofia da escuta e do compartilhamento, promovendo aos artistas-pesquisadores um método didático fundamentado no coletivo. Afinal, o grupo é fruto do trabalho de professores da Escolinha de Arte e funcionários de outras áreas do Colégio Estadual do Paraná, importante símbolo da história da educação paranaense.
Tive a oportunidade de conhecer o grupo desde seu primeiro espetáculo, “Carnivale”, em 2012, onde pude auxiliar na operação de luz. Posteriormente, participei do processo criativo de “Prometeu” (2016-2018) e do elenco de “Kitsune” (2017-2018), além de acompanhar, como espectadora e admiradora as demais montagens do grupo, que, todo ano, recebe novos integrantes. O MPT faz parte da minha formação como artista, criadora, investigadora, espectadora e pessoa desse vasto e criativo mundo.
Modulado de Pesquisa Teatral
O Modulado de Pesquisa Teatral – MPT, surgiu em 2011, fruto do trabalho do artista e professor André Meirelles em parceria com a Escolinha de Artes do Colégio Estadual do Paraná. Sempre visando uma prática teatral democrática, o MPT recebeu e ainda recebe estudantes do CEP e pessoas da comunidade externa do colégio.
Ao longo de sua existência, o Modulado produziu inúmeras peças; dentre elas: “Carnivale” (2011-2012); “Orfeu” (2013-2014); “Prometeu” (2016-2018); “Capitão Fracassa na Ilha do Mocosa” (2016-2018); “O Baile” (2017-2018); “Kitsune” (2017-2018); “O Homem da Esquina Rosada” (2018); “Terra de Cego” (2018-2023); “Agreste” (2018); “Phantasmagoria” (2019); “Madmoiselle Noir” (2023-) e “A Máquina” (2023-), por exemplo.
Nesses processos, ideias e referências diversas são levadas pelos estudantes e pelo professor André, que também propõe exercícios de pesquisa corporal baseadas na dança de salão, teatro físico, teatro de formas animadas, butoh, etc.
As montagens do MPT foram levadas à diferentes festivais do Paraná, como o próprio Festival de Curitiba, Festival de Teatro de Pinhais, Festival de Teatro de Pontal do Paraná, entre outros eventos dentro e fora do CEP e já renderam alguns prêmios para o grupo e seus artistas.
O diretor é o principal mediador entre as vivências individuais e coletivas dos integrantes às suas próprias técnicas e referências, fruto de uma consistente caminhada em sua carreira como ator-dançarino-professor-pesquisador.
Ex-integrante do grupo PalavrAção da UFPR, André Meirelles, formado em Licenciatura em Teatro pela Faculdade de Artes do Paraná, conquistou um Troféu Gralha Azul em 2008 pela coreografia do espetáculo “Tanguapo” em parceria com a colega de companhia Salete Ukachinski.
O nome da peça, que brinca com o termo em espanhol “tan guapo” (expressão usada para elogiar um homem charmoso, elegante e atraente) e com o ritmo e estilo musical argentino, tango, foi construído a partir dos textos de “El hombre de la esquina rosada” e “História de Rosendo Juárez”, contos do escritor, também argentino, Jorge Luis Borges. Em 2018, André trabalha novamente com o texto de Borges ao montar, junto ao MPT, “O homem da esquina rosada”.
Essa contextualização histórica é necessária para entender também de quais formas as montagens do Modulado de Pesquisa Teatral são desenhadas, afinal, há aqui a figura de um professor, diretor e mediador e seu olhar estético. Mas, além disso, e longe de uma figura de autoridade, André consegue costurar, de maneira autêntica, singela e respeitosa, as múltiplas potencialidades daqueles que são recebidos e integram/integraram o Modulado de Pesquisa Teatral.
Então, de fato, o MPT consegue cumprir com seus objetivos principais, que embasaram sua criação e permanecem embasando sua existência. São eles:
- Estudar novas técnicas de expressão corporal, dança e teatro;
- Buscar uma identidade própria a partir das pesquisas do grupo;
- Ampliar o leque de recursos e possibilidades do artista, focando na expressividade do corpo;
- Aplicar essas técnicas em montagens cênicas experimentais;
Mas, para além de tudo isso, o Modulado de Pesquisa Teatral fez e continua fazendo história, representando a arte de uma importante instituição pública (CEP), cultivando um legado artístico na cena teatral de Curitiba, que possui sim, incríveis artistas e pesquisadores das artes cênicas fora de um ainda existente eixo elitizado de se fazer teatro na cidade.
As vagas para ingresso no MPT ocorrem, geralmente, no início do ano e são divulgadas através do site.