O filme “Iracema – Uma Transa Amazônica” oferece um retrato impactante do Brasil durante a ditadura militar. A narrativa acompanha o cotidiano de um caminhoneiro, revelando os perigos da vida na estrada e a realidade da convivência com mulheres que se prostituem para sobreviver. Ambientado em 1974, o filme se destaca por sua natureza quase coletiva: foi concebido sem um roteiro formal, e os atores improvisavam, o que ocasionalmente resulta em momentos de hesitação perceptíveis.
O diretor do filme, Jorge Bodanzky, trabalhava na época como cinegrafista para uma emissora de televisão estrangeira e repórter fotográfico para a imprensa brasileira. A ideia para “Iracema” surgiu quando Bodanzky aguardava em um posto de gasolina na Transamazônica por um colega repórter. Ao observar o movimento e a dinâmica do local – especialmente a vida dos caminhoneiros e a presença de jovens mulheres que se prostituíam, ele decidiu criar um filme que retratasse essa realidade.
A obra expõe as contradições do Brasil daquela época: um país que se apresentava como próspero e com uma economia pujante, mas que já enfrentava o desmatamento da Amazônia, a insegurança nas estradas, a prostituição infantil, a extração e venda ilegal de madeira, disputas por terra e situações de trabalho escravo.
O personagem Tião, interpretado por Paulo Cézar Pereio, é um destaque à parte. Tião, um brasileiro com profundo amor por seu país, “rouba a cena” em diversos momentos com sua performance marcante.
A Gullane Internacional foi a distribuidora do filme. Originalmente, “Iracema” foi gravado em 16mm para o programa “Das Kleine Fernsehspiel” da emissora alemã ZDF e exibido na TV alemã com um corte de quatro minutos.
A personagem Iracema é outro ponto forte do filme. A atriz Edna de Cássia, que não seguiu carreira artística, emprestou à personagem a inocência da criança, talvez por ter apenas 14 anos na época, combinada com a força e a resiliência da mulher.
Apesar da carência de recursos técnicos e da ausência de um roteiro predefinido, o filme é excelente. Ele proporciona uma verdadeira viagem no tempo, ao mesmo tempo em que expõe uma realidade que, lamentavelmente, ainda se mantém atual em muitos aspectos.
Bodanzky iniciou as gravações em Super 8, após receber a confirmação de um produtor alemão, a quem apresentou a ideia inicial do projeto.
Um fato curioso sobre a produção é que o ator Pereio não sabia dirigir e não possuía carteira de habilitação. Por isso, o caminhão foi fretado com um motorista que realizava as cenas externas do veículo na estrada.
Após a conclusão das gravações, o material foi enviado para a Alemanha para edição e, ao ser exibido, alcançou grande sucesso, resultando em um convite para o prestigiado Festival de Cannes.
A originalidade do filme reside justamente na abordagem da equipe. As cenas foram gravadas de forma quase documental: os atores chegavam ao ambiente, conversavam sobre as questões da época, e as pessoas interagiam e davam depoimentos reais. Essa metodologia, provavelmente, justificou a ausência de um roteiro tradicional.
Em 1980, o longa “Iracema” foi liberado para o Festival de Cinema de Brasília e recebeu o Certificado de Produto Original Brasileiro concedido pelo antigo Instituto Nacional de Cinema (INC). Esse documento foi crucial para que o filme fosse finalmente liberado pela Censura.

