A ideia de que “não se faz musical em Curitiba” parece, enfim, estar perdendo força e não de forma discreta. A Mostra BroadWow, realizada pela Síncope Casa de Cultura, é um testemunho vibrante dessa mudança. Reunindo os trabalhos de alunos do curso de Teatro Musical, o evento escancara a potência artística em formação na cidade, revelando intérpretes que já se movem como artistas completos: atores, cantores, dançarinos e, acima de tudo, criadores.
Ainda que se trate de uma mostra de formação, com estudantes em estágios iniciais do curso, o que se viu em cena foi surpreendentemente maduro. A entrega dos elencos é sentida desde o primeiro instante: corpos presentes, vozes afiadas e uma conexão emocional que vai muito além do esperado. Pequenos desvios técnicos surgem, como é natural em qualquer processo de aprendizado, mas não comprometem o todo, ao contrário, tornam-se quase irrelevantes diante da coragem e da expressividade em jogo.
Assumir o centro do palco para cantar um solo em um musical é um dos desafios mais íntimos e complexos que um artista pode enfrentar. Em grupo, o desafio se multiplica: é preciso entrosamento, escuta e sincronia. Ainda assim, os estudantes da Síncope superaram essas barreiras com leveza e segurança, especialmente notável para quem ainda está nos primeiros módulos de formação.
As canções originais apresentadas carregam força melódica e apelo popular, com refrões que poderiam, facilmente, figurar em plataformas de streaming. São músicas que não apenas emocionam, grudam na memória. A qualidade vocal dos intérpretes, somada à direção musical precisa, garante momentos de brilho e emoção genuína. Os roteiros, também concebidos pelos alunos, revelam consistência estrutural e sensibilidade autoral. É teatro musical que nasce da escuta mútua, da experimentação coletiva e da confiança criativa.
Um dos aspectos mais comoventes da mostra foi a conexão entre os elencos. A cumplicidade em cena transporta o público para mundos paralelos cheios de ritmo, poesia e afeto. Essa química não se ensaia: ela é construída com tempo, entrega e generosidade, ingredientes que estavam presentes em abundância.
Não é surpresa encontrar entre os envolvidos nomes como Dimis e Enzo Veiga, responsáveis por “Fantasma de Friedirich”, espetáculo que marcou o público pelo alto nível de sofisticação cênica e musical. Aquela montagem, grandiosa em sua concepção, representava um ponto de chegada, o palco de artistas já consagrados, com domínio técnico e estético plenamente desenvolvido. Já os trabalhos apresentados na mostra BroadWow revelam o ponto de partida: o início de uma jornada artística promissora, em que intérpretes ainda em formação exploram suas potencialidades e constroem, passo a passo, seu lugar no teatro musical.
A Síncope Casa de Cultura, para quem a conhece agora, surpreende como um espaço que não apenas ensina teatro musical, mas o vive com integridade e paixão. Em um país acostumado a celebrar montagens importadas, é libertador ver nascer algo verdadeiramente nosso. A mostra reforça que não é apenas possível, mas necessário, investir em vozes e histórias locais, aquelas que falam diretamente com o nosso tempo, nosso território e nossa sensibilidade.
Não pude assistir a todos os espetáculos, mas cada momento vivido ali foi marcante. Há algo de profundamente transformador em assistir a um musical que não se apoia na sombra de grandes títulos estrangeiros, mas que se constrói com verdade, humildade e inventividade. Se o que se viu aqui é o começo, então o futuro da “Broadwaytiba” promete ser pulsante.
Esperamos ver mais. Muito mais
Foto de Capa: Paulo Feitosa