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No último dia 5 o cantor porto-riquenho Bad Bunny lançou seu sétimo álbum, intitulado “DeBÍ TiRAR MáS FOToS” (“Eu deveria ter tirado mais fotos”, em tradução livre). O projeto conta com 17 faixas e é uma celebração da cultura de seu país — todas as participações são apenas com artistas de Porto Rico, entre eles Chuwi, Dei V, Omar Courtz, Pleneros de la Cresta e RaiNao.
Bad Bunny, ou Benito, nasceu e cresceu na ilha de Porto Rico, que é um Território Não-Incorporado dos Estados Unidos, ou seja, não é nem uma nação soberana nem parte dos Estados Unidos. Em suas músicas, o artista trata de diversos tópicos, um deles sendo a ocupação americana de sua ilha natal e imposições feitas pelos Estados Unidos aos seus habitantes — um exemplo é “El Apagón”, canção de seu quinto álbum “Un Verano Sin Ti” (2022).
Em entrevista ao The New York Times, Benito declarou que “Debí Tirar Más Fotos” só poderia ser lançado agora que ele já construiu sua plataforma:
“Eu tenho dito, tipo, qual é o propósito de eu estar aqui, nessa posição? O que vem depois? Você morre e pronto. Não tem, tipo, ‘Ah, você foi o artista mais ouvido’ — e daí? Eu estava pensando nisso e disse: ‘Eu deveria fazer algo onde eu possa plantar uma semente’. Eu disse: ‘Cara, esse é o propósito: dar aos jovens uma oportunidade de mostrar os ritmos de Porto Rico’ […] Talvez um artista do México pudesse ser bem-sucedido apenas no México. O mesmo com o Brasil. Mas eu sempre soube que poderia ser grande e bem-sucedido sendo porto-riquenho, com minha música e com meu jeito de falar, com minha cultura, com tudo o que sou. Então eu estava trabalhando para alcançar o maior número de lugares, mas, ao mesmo tempo, mantendo minha essência, minhas raízes.”
Bad Bunny é o artista latino mais bem sucedido atualmente. Por três anos consecutivos (de 2021 a 2023), foi o artista mais ouvido do Spotify Global, acima de grandes nomes como The Weeknd, Taylor Swift e Billie Eilish, que costumam disputar o título de artista com mais ouvintes mensais na plataforma. Além disso, 101 de suas músicas já entraram na Billboard Global 200 — lista das 200 faixas mais ouvidas semanalmente no mundo, excluindo os Estados Unidos —, quatro delas ocuparam a primeira posição. Ele também foi o primeiro artista latino a ter 100 faixas na Billboard Hot 100, ranking das mais ouvidas nos Estados Unidos, marca que foi alcançada com o lançamento de seu novo projeto. Seu maior hit é “DÁKITI”, que já foi ouvida mais de dois bilhões de vezes no Spotify.
“Debí Tirar Más Fotos” estreou em grande estilo, com a faixa “DtMF” alcançando o topo das paradas do Spotify Global e sendo até trend no TikTok. O cantor ainda emplacou cinco de suas novas músicas nas dez primeiras posições do ranking.
O álbum traz uma mescla de ritmos tradicionais do país, como a plena, e também traz características próprias do artista, que foi o primeiro latino a ter três álbuns em espanhol no topo da principal parada dos Estados Unidos, a Billboard 200 com seus três últimos lançamentos: “Nadie Sabe Lo Que Va a Pasar Mañana” (2023), “Un Verano Sin Ti” (2022) e “El Último Tour del Mundo” (2020).
Reggaeton no Brasil
O reggaeton e os ritmos latinos vêm tendo um crescimento mundial exponencial nos últimos anos, mas no Brasil a história é diferente. De acordo com dados enviados ao POPline pelo Spotify, a audição de reggaeton cresceu 147% de 2018 a 2020, e a audição de trap latino cresceu 187%, entre 2021 e 2022 o destaque foi para a música mexicana, crescendo em 56% ao ano, mas aqui os streams em música latina de cantores não brasileiros no país cresceram apenas 12% em 2022.
Essa expansão do reggaeton ainda não conseguiu bater de frente com nossos estilos nacionais. Entre os ritmos mais consumidos por aqui estão o funk e o sertanejo, com muitos representantes no topo das paradas nacionais, como Henrique & Juliano, MC Ryan SP e Ana Castela, que ocupam o pódio da lista dos 50 artistas mais ouvidos no Spotify Brasil em 2024 — apenas três artistas estrangeiros aparecem no ranking, todos cantando em inglês.
São poucos os artistas que cantam em espanhol que já fizeram sucesso no Brasil, entre eles estão Shakira, Pitbull e Ricky Martin. Mais recentemente um dos nomes mais fortes é Karol G, que se apresentou no Palco Mundo na última edição do Rock In Rio, mas quando trouxe sua turnê mundial que esgotou estádios pelo mundo ao Brasil, teve que se contentar com o Espaço Unimed em São Paulo, que tem capacidade para oito mil pessoas — o mesmo aconteceu com a espanhola Rosalía, que marcou presença no Lollapalooza 2023. Isso mostra que o mercado nacional ainda não consome o ritmo a ponto de gerar demanda, os cantores não têm segurança para colocar o país no itinerário de suas agendas e transportar estruturas para cá.
Karol G no Rock In Rio 2024 (Reprodução)
O Brasil é o único país da América Latina que não tem o espanhol como língua oficial, o que distancia culturalmente sua população do restante do continente — “O Brasil tem dificuldades para ouvir música em espanhol e isso é assim há muito tempo”, comentou Analía Chernavsky, professora da Universidade Federal de Integração Latinoamericana (UNILA) de Foz de Iguaçu. Além da barreira do idioma, há uma narrativa histórica compartilhada entre os países latino-americanos que falam espanhol da qual o Brasil não participa, o que se estende à música e muda a forma como ela é consumida no país.
Outro fator importante é o tamanho geográfico do Brasil, que nos proporciona uma diversidade enorme em todos os âmbitos, inclusive na música. Isso faz com que existam ritmos nacionais para todos os gostos — “É uma ideia de autossuficiência. O mercado brasileiro produz e consome aqui mesmo, se autoabastece. O funk brasileiro corresponde ao reggaeton no ambiente latinoamericano. É o mesmo nicho”, disse Chernavsky.
Seria Bad Bunny a revolução?
Com o lançamento de seu novo álbum, Bad Bunny tem demonstrado um crescimento considerável no Brasil, superando aos poucos as barreiras culturais e linguísticas. No último dia 14, sua canção “DtMF” estreou no top 200 do Spotify Brasil na centésima-segunda colocação, marcando sua primeira entrada solo no ranking, e vem subindo desde então. Ele também entrou no ranking dos artistas mais ouvidos no país pela primeira vez e subiu 49 posições em um único dia, marcando o maior crescimento entre os que fazem parte da lista.
“DtMF” é uma canção que trata do arrependimento de não ter registrado momentos e coisas importantes que já não estão mais aqui, seja uma pessoa, um lugar, um animal de estimação, entre outros. Benito comenta que percebeu que tinha esse arrependimento quando retornou a Porto Rico depois de um período longo morando nos Estados Unidos por conta de sua carreira, que percebeu que sentia falta da ilha, de seus conterrâneos, e que queria ter registrado mais momentos de sua vida por lá. Esse é um sentimento universal que a língua portuguesa tem uma palavra única para representar: saudade.
O novo álbum de Bad Bunny não apenas celebra a cultura porto-riquenha, mas também aborda temas universais que ressoam com públicos de diversas origens, principalmente latina. Embora a língua e a história possam ser barreiras para que os brasileiros se sintam pertencentes à América Latina, sentimentos como a saudade são compartilhados, além de muitas partes da cultura — não é à toa que chamamos os argentinos de “hermanos”. “DeBÍ TiRAR MáS FOToS” tratando também desses pontos comuns, pode ser um divisor de águas na história dos ritmos latinos no Brasil.