O luto, por aqui, não se encerra. Ele se arrasta, molda afetos e se incorpora ao cotidiano. Em Aurora, novo filme-ensaio de João Vieira Torres, essa constatação se transforma em investigação. A obra examina como a morte e a memória atravessam corpos, territórios e gerações.
O ponto de partida é um sonho. Nele, o cineasta recebe o chamado da avó Aurora, parteira e curandeira no interior da Bahia. A partir daí, inicia uma busca pessoal e afetiva: quem foram as pessoas que ela ajudou a nascer? O que ainda pode se recuperar dessas histórias? O que se revela ao longo do percurso vai além da biografia. O filme compõe um retrato fragmentado de um Brasil em que a morte não se apaga e o passado insiste em retornar.
Com um processo de criação que durou mais de dez anos, Aurora se afasta da narrativa linear. O filme adota a estrutura de uma pesquisa visual, onde a montagem de ideias substitui a lógica tradicional de acontecimentos. O que interessa aqui não é contar uma história com começo, meio e fim, mas provocar uma experiência de escuta, pausa e reflexão.
A força do filme está na atenção aos relatos. João evita conclusões e explicações. Ele abre espaço para que as histórias falem por si — especialmente as de mulheres marcadas por dor, resistência e transformação.
Mesmo sem conhecer o morto, carrega-se o luto. Essa é uma das ideias mais potentes de Aurora. A morte, no filme, não aparece como fim, mas como um marcador social. O luto, nesse contexto, se apresenta como herança coletiva. Ele conecta pessoas que nunca se cruzaram, mas compartilham o peso de uma memória comum.
Foto de capa: Reprodução Olhar de Cinema