Em 2020, quando a pandemia assolou o mundo e fomos obrigados a permanecer em casa, poucas foram as pessoas que não sentiram emoções a flor da pele. O medo do desconhecido, do que poderia acontecer posteriormente, o assombro meticuloso da morte dolorosa individual ou de algum ente querido. Essa desconfiança permanente e o sentimento de perdido na própria mente, é como saímos de uma sessão de “Traidor”.
Marco Nanini chega ao Festival de Curitiba com o espetáculo e apesar de ser conhecido por seus grandes trabalhos na televisão e em outras peças, o ator é traído – como o nome diz – por um texto que não vai a lugar nenhum. A estética bonita e a grandiosidade é jogada fora logo nos primeiros minutos da encenação.
Poderia ser um pós-dramático bonito, reflexivo e que impactasse o espectador de uma forma surpreendente. Afinal, estamos falando de Nanini, de um cenário muito bem construído, de figurinos ideias e uma iluminação exuberante. Contudo, esta é a prova de que bons elementos cênicos e um ator consagrado não salvam um texto desesperado por atenção.
Traidor mergulha profundamente em seu próprio nome. Durante a atuação, Nanini brinca com a atualidade ao citar redes sociais e o mau do século, todavia, sem sentindo nenhum no devaneio do personagem. O gênero divulgado como “comédia” é um equívoco, pois não tem humor algum.
A atuação de Nanini não é bem utilizada por uma direção que parece ter medo de entrar no mundo da própria dramaturgia. Não há corpo cênico presente, apenas um ator dando um texto sem sentido e entediante. Entre uma cena e outra, Thomas prefere colocar um grupo de atores debruçados sobre partituras corporais para tentar trazer algum tipo de animação para aquilo que não existe.
Isto é, nos momentos mais brilhantes do espetáculo, o protagonista, Nanini não se faz presente. Ou sentado em uma poltrona ao escuro, ou na própria coxia. A dramaturgia se propõe a trazer um debate sobre a modernidade, a tecnologia, a perda do próprio ‘eu’, a sociedade das telas etc, acaba se perdendo na própria ideia.
Para tanto, o tempo de uma hora de espetáculo poderia facilmente ser reduzido a quase nada, pois é isso que acontece com a expectativa. A cada minuto que passa, o público percebe que não vai evoluir.
Mas nem tudo está perdido neste espetáculo vazio. A concepção visual, a estética, merece destaque. O cenário com fragmentos de vigas de construção que representam a identidade destruída do personagem e o boneco gigante do próprio, amarrado pelo sistema opressor supera a expectativa.
A iluminação traz aspectos consistentes e tentam trazer uma forma exímia para o espetáculo, junto com a sonoplastia bem construída. Esse levanta e abaixa das varas para provar grandiosidade, o sair e entrar por de baixo do palco para mostrar como se explora um espaço do tamanho do Guairão é um desespero fracasso de tornar a coisa toda bonita.
Infelizmente, é uma peça que não salva. Que propõe jogos cênicos a serem explorados – e poderia, pois são potentes, mas escolhe não o fazer. Assim, ao final, o único questionamento que nos fica é: o que foi isso? E não é no sentido pós-dramático de ser, de explorar novos elementos dramatúrgicos e cênicos, mas naquele que questiona se aquilo realmente valeu o preço do ingresso.