Ainda Estou Aqui: Um sublime trabalho de Walter Salles

De tempos em tempos, o cinema nacional produz um filme que acaba gerando uma boa repercussão e trazendo novamente o discurso de “Este é o filme que vai levar o Brasil para o Oscar”. Longas como Que Horas Ela Volta (2015), Aquarius (2016) e Bacurau (2019) são exemplos recentes desta situação. Com Ainda Estou Aqui, a conversa não foi muito diferente, mesmo que tenha sentido que a repercussão em torno deste longa tomou uma proporção muito maior que o normal.

Confesso que fiquei com uma pulga atrás da orelha de tanto que críticos e público estavam elogiando Ainda Estou Aqui. “Será que o filme é tudo isso mesmo?” foi um pensamento recorrente. Mesmo que eu tenha entrado um tanto cético na sala de cinema, literalmente a primeira coisa que pensei ao ver os créditos de Ainda Estou Aqui subirem foi: “Sim, foi tudo isso mesmo e um pouco mais”.

Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui narra a história real da família Paiva durante a ditadura militar no Brasil. Quando o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) se torna um prisioneiro político do Estado, sua esposa, Eunice Paiva (Fernanda Torres), deve tomar conta da família enquanto busca pela verdade sobre o paradeiro de seu marido.

Algo que já é perceptível logo nos primeiros minutos do filme é o primoroso trabalho de design de produção e recriação histórica do Brasil dos anos 70. Seja nas vestimentas, cabelos, casas, ambientes internos e carros, tudo é recriado nos mínimos detalhes. Não há uma situação como a de Mamonas Assassinas: O Filme (2023) e sua “recriação dos anos 90” em que podemos ver uma tomada de 3 pinos na cozinha ou um Nissan Kicks passando ao fundo da cena.

Eu tive o privilégio de assistir Ainda Estou Aqui acompanhado de minha mãe – em uma sessão que estava lotada por sinal – e sendo uma pessoa que teve a infância durante a década de 70, ela foi me explicando que realmente era assim mesmo que as pessoas se vestiam, que as casas e carros tinham aquela aparência específica e que ela e outras crianças faziam muito dos hábitos mostrados em cena.

Destaco este ponto pois isso justamente é o que gera o fator imersão do espectador naquele mundo e história. A escolha da fotografia, o uso de um “filtro granulado” e montagens com fotos e vídeos gravados em câmeras Super 8 também reforçam esse clima nostálgico e de que estamos assistindo algo antigo.

Eunice Paiva | Foto: Globo Filmes

Por eu ter nascido na década de 2000, a ditadura militar é um conceito que viveu na minha cabeça como uma ideia, algo que a gente somente estudava nas aulas de História e relatos que escutava de parentes que viveram o período, mas nunca foi algo muito tangível. A sensação de medo, de perseguição e incerteza que o filme consegue transmitir é algo que me tocou profundamente enquanto assisti. Filmes, e obras de arte como um todo, têm esse poder de fazer um resgate histórico e servir como um lembrete de tempos sombrios de nossa história que jamais devemos permitir serem esquecidos ou que se repitam no presente e futuro.

E não há melhor exemplo de como essas sensações são transmitidas em tela do que a magistral atuação de Fernanda Torres. Sim, é chover no molhado dizer o quão forte, impactante e emocionante é o trabalho de Torres neste filme, mas todos os elogios são merecidíssimos. Em Eunice Paiva, Fernanda Torres nos mostra uma mulher que ao mesmo tempo está profundamente triste, incerta e desesperada pelo paradeiro de seu marido, mas que deve permanecer forte e ser a rocha da família neste momento de turbulência.

Seria muito fácil o filme cair para o melodrama em uma cena que te faça chorar ou causar choque com a violência extrema, entretanto, Ainda Estou Aqui jamais vai apelar na hora de impactar o espectador. Walter Salles opta por abordagens mais sutis e sugestionadas, o que acaba sendo uma solução muito mais elegante e até mais impactante enquanto você assiste.

Mesmo que Fernanda Torres seja, e com razão, o grande destaque do filme, o elenco como um todo merece elogios. Selton Mello dá vida à Rubens Paiva no longa e, mesmo com pouco tempo de tela, é um personagem que rapidamente conseguimos nos apegar nas interações com Eunice e seus filhos. As atrizes e os atores que interpretam as filhas e o filho da família Paiva também estão de parabéns.

Algo que muitos filmes têm dificuldade em construir são relações familiares que pareçam autênticas, mas que acabam resultando em momentos extremamente forçados. Este definitivamente não é o acaso com Ainda Estou Aqui, que com uma combinação de uma ótima química entre os atores e um roteiro que desenvolve com calma as interações entre os membros da família, em nenhum momento sentimos que estamos assistindo atores contracenando, mas uma família genuína, o que torna os eventos no decorrer da história muito mais chocantes, justamente porque nos afeiçoamos e nos importamos com os personagens.

Familia Paiva | Foto: Globo Filmes

Estamos diante de um momento histórico para o cinema brasileiro com Ainda Estou Aqui. Até o momento em que esta crítica foi escrita, o filme foi indicado ao Oscar 2025 nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Fernanda Torres, que venceu como Melhor Atriz no Globo de Ouro. E o que me deixa mais feliz e orgulhoso com tudo isso, é que essa produção que está encantando espectadores e críticos mundo afora, é nossa, é brasileira.

Não acho que é exagero algum colocar este longa ao lado dos grandes filmes que o cinema nacional já produziu, como Central do Brasil (1998), O Auto da Compadecida (2000), Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), pois Ainda Estou Aqui realmente é uma obra-prima moderna do cinema brasileiro.

⭐⭐⭐⭐⭐

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