A poesia ressurge com vigor em ‘O Céu da Língua’

Reprodução: Anneliza Tozetto

Após cativar o público da internet através de produções como Porta dos Fundos e GregNews, Gregorio Duvivier adentrou o palco do Guairão com O Céu da Língua, seu mais recente espetáculo de comédia. Em forma de monólogo, Duvivier propõe uma reflexão sobre o valor da poesia e a importância do uso consciente da língua portuguesa, traçando ainda um elo sensível entre a tradição cultural da linguagem e as novas gerações.

A uma observação superficial, o espetáculo poderia ser classificado como um stand-up comedy adaptado ao teatro. No entanto, um olhar mais atento revela uma dramaturgia que transcende o riso fácil: trata-se de uma meditação crítica sobre o estado atual da língua portuguesa, frequentemente relegada aos “asilos das palavras” — como ironiza o próprio ator — em favor de uma comunicação cada vez mais veloz, superficial e moldada pela estética digital.

Duvivier, consagrado no terreno da comédia, vai além: questiona como essa transformação impacta nossa oralidade cultural e a própria transmissão do pensamento coletivo. O espetáculo se ancora justamente na soberba da massa contemporânea — mais interessada na forma do que no conteúdo — para construir um texto que destoa das pautas habituais do teatro contemporâneo, especialmente no Festival de Curitiba, onde predomina a desconstrução de tabus sociais já amplamente discutidos. Em vez disso, O Céu da Língua resgata um tema aparentemente esquecido no frenesi da modernidade.

A encenação ganha camadas graças à cenografia minimalista e inventiva: um retroprojetor antigo, manejado em cena, transforma o jogo das palavras em elemento vivo e coadjuvante, ampliando o alcance dramatúrgico do espetáculo. A sonoplastia, executada ao vivo com o auxílio de um violoncelo, acrescenta ainda mais densidade à experiência cênica, enquanto o figurino — evocando a tradição europeia do século XVI — brinca com a atemporalidade da temática abordada.

Duvivier mantém sua já conhecida capacidade de improvisação, dominando a fluidez do texto e convertendo-o em performance viva e pulsante. Embora seu estilo não se afaste significativamente daquilo que o consagrou, entrega ao público um espetáculo consistente e relevante. Nota-se, contudo, um pequeno descompasso: o vasto espaço do Guairão parece exigir do ator uma movimentação excessiva para preencher o palco, o que, em certos momentos, compromete a organicidade da cena. Uma adaptação para um espaço menor talvez trouxesse ainda mais potência à proposta — embora o prestígio do artista justifique a escolha por um teatro de maiores dimensões.

O Céu da Língua é, em suma, uma lúcida crítica ao esvaziamento da linguagem e à perda de sua dimensão simbólica. A língua portuguesa — matriz de nossa identidade — carrega uma riqueza poética de valor incalculável, que resiste às lógicas práticas e instrumentais da contemporaneidade. Gregorio Duvivier, com humor e rigor, nos convida a refletir sobre a urgência de preservar essa herança imaterial, tão vital para um pensamento crítico genuinamente emancipador.

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