O mercado editorial brasileiro e a crise das megalojas

Em 1914, próximo a “Faculdade de Direito de São Paulo” sob o nome de Livraria Acadêmica, surgiu a primeira loja Saraiva que anos mais tarde se tornaria a maior rede de livrarias do país em toda a sua história. Foram 112 lojas e mais de R$150 milhões de faturamento por ano. Em 2008, destinou R$60,3 milhões para comprar a rede “Livraria Siciliano”. A empresa fundada por Joaquim Ignácio da Fonseca Saraiva era indomável e quase impossível de falir.

Contudo, em 2018 essa realidade mudou drasticamente. Em 23 de novembro, com uma dívida de R$674 milhões, a Saraiva fechou 19 lojas no país e entrou com pedido de recuperação judicial na 2º Vara de Falências e Recuperações Judicias do Foto Central Cível de São Paulo. Em agosto de 2019, quase um ano depois, o Plano de Recuperação Judicial apresentado pelo grupo foi aprovado pela maioria dos credores, porém, o pior ainda estava para acontecer.

Em 2020, com aumento das dívidas, mais 36 unidades foram fechadas. Dois anos depois, em 2022, os credores aprovaram que R$163 milhões das dívidas se convertesse em ações, reduzindo a dívida total para pouco menos de R$300 milhões. Todavia, os quase cinco anos no vermelho não contribuíram para que o grupo decretasse falência oficialmente em 4 de outubro de 2023, sendo decretada pela Justiça dois dias depois.

A Saraiva foi apenas um dos grupos de livrarias que entrou em recuperação judicial. Outro caso famoso é da rede Livrarias Cultura. Fundada em 1947, a rede chegou a ter lojas espelhadas por mais de cinco estados brasileiros, incluindo Curitiba. Em 2018, pouco antes da Saraiva, a rede entrou com pedido de recuperação judicial após constatar uma dívida de R$285 milhões. No começo de 2023 a Justiça decretou a falência da empresa, após negociações sem sucesso com os credores, porém a rede recorreu a decisão e derrubou a liminar.

Mas afinal, o que está acontecendo com as livrarias no país? O e-commerce (sites) é o grande vilão por trás disso?

O MERCADO

O consumo de livros no Brasil sempre foi muito abaixo do que o normal se comparado a outros países de segundo mundo. Segundo dados do Instituto Pró-livro, entre 2015 e 2019 o número de leitores no país caiu de 56 milhões para 52. É uma média de 5,0 livros por ano para cada brasileiro.

Muitos são os motivos que levam os brasileiros a lerem menos que vão além da cultura enraizada. A correria do dia a dia, o cansaço físico e mental e o preço dos exemplares são apenas alguns exemplos. Porém, essa realidade começou a mudar após a pandemia como veremos adiante.

Em entrevista ao Folhetim, a Livrarias Curitiba afirma que viu nos últimos anos seu número de leitores aumentar. “O consumo de livros aumentou, inclusive na pandemia, quando as pessoas estavam em casa, usando redes sociais e canais como Tik Tok, Instagram e Youtube contribuíram para esse aumento com vídeos de pessoas. Principalmente os jovens, hoje conhecidas como BookTokers e BookGram indicando livros e fazendo as famosas trends nas redes. É muito comum termos nas lojas clientes que vão até lá buscando algum livro que viu nas redes sociais e por indicação desses influenciadores.”

Na visão da empresa que representa 12% das vendas em relação ao mercado, o colapso das redes são mais sobre questões de gestão do que uma crise no mercado de fato. “Tivemos alguns players que infelizmente não estão mais no mercado livreiro, mas o que percebemos é que foi por uma questão específica de gestão interna. E o que a gente vê hoje, inclusive em pesquisas recentes é que o número está muito parecido e não diminuiu o número de livrarias no Brasil, o número se mantém e até cresce. Esse lugar no mercado está sendo retomado e sendo preenchido por outras livrarias.”

Em 2013, quando a Amazon chegou no Brasil, o mercado temeu ser duramente afetado, somando ao fato de que cinco anos depois os dois maiores grupos do país pedem recuperação judicial, parece exatamente que a empresa norte-americana é a grande vilã. Contudo, na prática, isso não ocorre.

“As Livrarias Curitiba e Catarinense se destacam por ser uma loja física, onde o cliente pode ir até lá, ver os produtos com os olhos e também com as mãos. Temos muitos clientes que gostam de ir até uma livraria física e ter esse contato com os livros, buscar assuntos de interesse, outros livros de autores que gostam e também novidades literárias. Além disso, nas lojas temos nossos vendedores, que dão indicações e fazem curadoria dos livros.”, afirma a rede.

AS EDITORAS

Entre os maiores credores da Saraiva e Livrarias Cultura estavam as editoras dos livros. Isso por conta do sistema que há anos era utilizado: consignação. A editora enviava o livro para as lojas que após a venda repassavam o dinheiro a elas. Contudo, isso não acontecia como deveria, o que levou ao endividamento de editoras e principalmente, das livrarias.

Para a Editora Alarde, de São Paulo, mesmo com aumento dos preços da matéria prima dos livros, o aumento nas vendas é algo contínuo. “Apesar do aumento de preços do papel, o que consequentemente aumenta o preço dos livros, vemos que cada vez mais as pessoas têm buscado consumir literatura. Os números das bienais e vendas online tem demonstrado isso. Então, apesar dos desafios, sentimos na editora que o mercado atualmente está em transformação, o que não necessariamente é algo ruim.”, afirma a empresa em entrevista ao Folhetim.

Ou seja, se o mercado está crescendo, porque os grupos quebrariam? As Livrarias Curitiba e a Editora Alarde, ambas entrevistadas pelo Folhetim, não sentiram o impacto de forma drástica do encolhimento do mercado.

Ainda para a Editora Alarde, a Amazon não é uma concorrência, mesmo que o catalogo da editora seja restrito a própria loja online. “Não vemos a Amazon como uma concorrente, somos semelhantes porque também vendemos online pelo site da editora. E temos a exclusividade de vender os nossos títulos apenas em nossa loja virtual ou presencialmente em eventos. Vemos a Amazon como mais uma plataforma de vendas para editora e temos planos de vender nossos livros também por lá, assim como em outras plataformas: Americanas, Submarino, Magalu, Shopee, etc. E os nossos autores vendem seus e-books na Amazon, então não somos concorrentes. É mais uma ferramenta para ampliar as vendas dos livros.”

O mesmo acontece com a Livrarias Curitiba. “A Livraria, além de ser um comércio, também é um espaço cultural para o leitor. Nossas lojas possuem espaços que deixam o cliente confortável, com puffs, poltronas e mesas para leitura e espaços para as crianças. Temos clientes que vão a loja e usam o espaço para ler, estudar, trabalhar.” Por isso, para eles, é fundamental ter uma ótima relação com as editoras, o que ao tudo indica, não é o caso de outros grupos. “As editoras são nossos principais parceiros para mantermos a Livraria funcionando, por isso, já temos e mantemos uma relação muito saudável com as editoras, o que possibilita fazermos ações em conjunto e também promoções dos produtos.”

EXISTE CRISE NO MERCADO?

Embora a pesquisa mais recente (2019) mostre que o número diminuiu, as empresas do mercado, conforme relataram ao Folhetim, sentiram o crescimento exponencial, sobretudo durante e após a pandemia.

Em 2020, a Livrarias Curitiba fechou algumas lojas, mas afirmou não ter relação com nenhuma crise financeira ou com a pandemia. “As lojas acabaram sendo fechadas por conta de negociações com os shoppings naquele período, que acabou coincidindo com o momento da pandemia.”

Já nos últimos anos, o público leitor tem pedido nas redes sociais por livros mais acessíveis, uma vez que um exemplar pode chegar a custar R$100,00 se for de literatura. Já os acadêmicos, o preço é exorbitante. Em 2021, sob o governo Bolsonaro, o então Ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou uma PEC (Emenda Constitucional) que previa derrubar o veto a isenção tributária dos livros que existe desde 2004.

Todavia, o movimento que os leitores acreditam ser o necessário vai na contramão: baratear ainda mais os exemplares através de políticas públicas, garantindo acesso até mesmo para a classe mais baixa da sociedade.

Tanto as Livrarias Curitiba quanto a Editora Alarde aprovam as iniciativas. “Acreditamos que os livros mudam histórias e a vida das pessoas, por isso, deve ser acessível para todos. Sempre incentivamos à leitura e acreditamos que facilitar o acesso aos livros para população é importante tanto para educação como para a vida de cada um.” Afirmou a rede de livrarias.

Já a Editora Alarde declarou também ser a favor. “Todos sairão ganhando. As editoras que terão os custos de produção reduzidos, o mercado que terá mais pessoas consumindo e as pessoas que terão mais chances de ler, aprender, adquirir conhecimento. Com certeza esse é um dos caminhos para o sucesso.”

Sendo assim, o mercado não se encontra em crise específica, além das que já assolam a economia de forma geral. Pelo contrário, viu seus números crescendo nos últimos três anos e com certeza projeta ainda mais aumento para os próximos. Casos como da Saraiva e da Livraria Cultura, são emblemáticos diante das grandezas de suas redes e impactos na economia estadual e municipal de cada unidade, contudo não representa o setor como um todo.

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