Meu Casulo de Drywall merece Oscar

“Depressão é frescura” é uma das frases mais repetidas por ignorantes no assunto. Não é raro ouvir este comentário de gente deprimida que nega o próprio quadro. Depressão é uma doença, cujas causas são tão biológicas quanto qualquer outra. O que muda são os patógenos. Ao invés de vírus, bactérias ou fungos, o que causa depressão somos nós, seres humanos.

Meu casulo de drywall” retrata todos os aspectos da doença, do início ao fim – muitas vezes trágico. Não é um filme fácil de assistir, claro sinal da competência do texto e da direção de Caroline Fioratti.

Não me surpreenderia se este filme levasse algum Oscar, seja de atuação, de direção ou roteiro. A produção levou dez anos para sair do papel e chegar às telas, e teve participação de psicanalistas, psicoterapeutas e psiquiatras. 

Trata-se de um filme quase perfeito, cujo único defeito é reforçar a ideia de que a depressão é doença de gente rica. Os deprimidos estão em todas as classes sociais.

A sociedade começa em casa

A morte da protagonista logo no começo do filme deixa claro que vamos acompanhar uma tragédia. O ponto não é “se” ela morre, mas “como” e “porquê” ela morre. Esta história é muito bem contada costurando o antes e o depois do acontecido, fazendo ótimo uso de flashbacks em detrimento de diálogos expositivos.

Virgínia é uma jovem de 17 anos, filha de uma família rica e poderosa. Seu pai é do tipo macho alfa padrão que comanda a casa com rigor e violência. Sua mãe é a esposa submissa, subestimada e subjugada pelo marido. Ambos, pai e mãe, são vítimas do modelo de sociedade patriarcal que ainda impera no Brasil, em todas as esferas, do mais rico ao mais pobre. Se pensarmos na depressão como uma infecção, este modelo seria um furúnculo purulento recheado de bactérias e prestes a explodir.

Direção artesanal

Quando nos lembramos de uma situação, seja ela boa ou ruim, nosso corpo libera hormônios (que mexem com o nosso humor) como se estivesse vivendo tudo de novo. Imagino que o mesmo aconteça quando estamos numa sala de cinema e nos conectamos com aquilo que é exibido em tela.

A paleta de cores, azulada, é fria como a depressão. Os cenários, formados por condomínios de alto padrão onde tudo é artificial e apartamentos decorados em ritmo de produção, são falsos como a depressão nos leva a ser. Os figurinos e as maquiagens chiquérrimas escondem o que somos e o que trazemos dentro de nós, como fazemos com a depressão.

As escolhas artísticas da direção – como a ferida que só a garota vê, ou o vestido que mãe e filha compartilham, ou o “sexo oral” no cano da arma de fogo  – chegam a ser poéticas. Ora literal, ora metafórico, o filme é uma obra de arte.

Foto: Divulgação / Gullane

Fernanda

Montenegro deve ter ficado orgulhosa do trabalho dos atores neste filme. Aliás, a escolha do elenco é mais um grande mérito da direção. Se este fosse algum filme da franquia “Divertidamente”, Bella Piero seria a personificação do sofrimento; Maria Luisa Mendonça, do desespero; Mari Oliveira, da solidão; Caco Ciocler, da raiva; Michel Joelsas, da rejeição; e Daniel Botelho, da indiferença.

Já falei algumas vezes mas acho que nunca é demais repetir: parece que o tempo das atuações padrão Globo de televisão finalmente estão caindo em desuso no Brasil. Mesmo os atores consagrados pelas telenovelas vem mostrando grande talento nas telas do cinema e do streaming.

Educação começa em casa

Não tenho lugar de fala no que tange aos assédios morais sofridos pelas mulheres dentro e fora de casa. Mas posso falar sobre os assédios morais sofridos pelos homens, dentro e fora de casa, que também estão presentes no filme, e que no fim são a mesma coisa. Todos são abusadores e abusados.

É necessário repensar a forma de educar os filhos. Pais e mães precisam entender que as outras vidas devem ser observadas, ouvidas e compreendidas. Apontar o caminho vem depois de entender qual deles é o melhor a ser seguido. Do contrário, qualquer imposição vai causar sofrimento mais cedo ou mais tarde. O nosso sapato não é do mesmo número de nossos pais nem tampouco de nossos filhos.

No mundo ideal as pessoas educariam a si mesmas antes de educar suas crianças. “Educar-se” no sentido de se conhecer psicológica e emocionalmente. O quê, quem, como e porquê eu sou? O quê, quem, como e porquê são meus filhos?

Obrigar seu filho a ser médico ou advogado é abuso, assédio moral. Não aceitar a orientação sexual dele também. Obrigar a sua filha a se vestir da maneira que você quer é abuso, assédio moral. Não deixar que ela aprenda a dirigir também. Violência física ou psicológica é abuso. “Brincadeiras” com seu corpo ou sua aparência é uma forma de abuso. Cercear a liberdade, desqualificar o gosto individual, fazer chantagem emocional, tratar com grosseria… a lista de abusos é assustadoramente grande.

Assim como os vírus, as bactérias e os fungos, os abusadores são parasitas. Drenam a saúde emocional das suas vítimas, mesmo quando fazem isso de maneira inconsciente e/ou involuntária. A melhor maneira de evitar os finais trágicos mostrados no longa é a conscientização para o problema – o que torna “Meu casulo de drywall” um filme bastante necessário.

 

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