Longlegs é o terror que vale a pena

Filmes gospel à parte, são poucas as produções que abordam a presença de Deus. O mesmo não pode ser dito sobre o Diabo. O satanismo é, provavelmente, o tema número um entre os longas de terror. Com “Longlegs, vínculo mortal” não é diferente.

Lee Harker é uma agente do FBI com habilidades especiais. Dona de um sexto sentido bastante apurado, Lee é convocada para ajudar na investigação de assassinatos em série. Quando a policial encontra ligações do criminoso com o seu próprio passado, sua vida entra em perigo.

Foto: Diamonds Filmes

Um ode aos anos noventa

Imagine (ou recorde, se você for velho como eu) um mundo sem smartphones. Computadores grandes e desajeitados. Televisões de tubo, fotografias analógicas, LPs e fitas K7. Achou difícil? Não se preocupe. Basta abrir qualquer aplicativo de streaming para notar como os anos 80 têm sido retratados à exaustão – fruto da coleta de dados utilizados para entender o que o público quer consumir. 

Na contramão deste sistema, Longlegs retrata os anos 90 e isto por si só já é uma vitória. Para além da ótima direção de arte – que esfrega o retrato de Bill Clinton em nossa cara diversas vezes – Oz Perkins coloca uma década inteira de cinema no seu filme.

“Investigação policial” foi um tema utilizado à exaustão nos anos 90. Filmes de todos os gêneros beberam dessa fonte, de ação e comédia a (principalmente) suspense e terror.

“O silêncio dos inocentes”, pela presença de uma protagonista feminina, e “Seven, os sete pecados capitais” pela temática bíblica, são as referências mais óbvias. Um olhar mais atento também vai encontrar em “Longlegs, Vínculo Mortal” filmes como “Código para o inferno”, cujo protagonista é auxiliado por um garoto autista com habilidades especiais, e “8mm”, filme obscuríssimo estrelado por Nicolas Cage.

 

Nicolas Cage

Nicolas Cage é um capítulo à parte em “Longlegs, Vínculo Mortal”. O cara é tão ruim que é bom. Ou é tão bom que mesmo quando é ruim, é de propósito. Há quem goste e quem odeie, mas eu não conheço ninguém que seja indiferente ao trabalho dele. Neste filme Cage está perfeito (como em tantos outros trabalhos recentes, diga-se de passagem).

É impressionante como Nick é capaz de assinar todos os seus projetos com caras, bocas e gritos histéricos que, vindos de outra pessoa, seriam ridículos. Seu personagem transita entre os planos terreno e sobrenatural como um verdadeiro agente do demônio. Desperta repulsa e compaixão, principalmente quando sua “parte humana” expressa sua tristeza com o destino que se assolou sobre ele – e que ele mesmo escolheu.

 

Somos frutos das nossas escolhas

Logo no início do filme, o parceiro de Lee é assassinado com um tiro no rosto. Momentos antes, a agente alertou o colega para pedir reforço, ideia logo descartada por ele. Esta é a tônica (e o destino) de todos os personagens do filme. Lee, seu colega, seu chefe e até a sua mãe sofrem as consequências das próprias decisões.

Com o assassino não poderia ser diferente.

Longlegs não é um demônio na acepção da palavra. É um ser humano como eu ou você. Teve uma vida normal até o momento em que tomou uma decisão errada – decisão esta que mudou seu destino para sempre e da qual ele mostra se arrepender em dado momento.

Longlegs, aliás, é o tipo de personagem que grita por uma prequela, um filme de origem. Ainda que muito do assassino possa ser captado em seu pouco tempo de tela (mais méritos da direção de arte, de Cage e do roteiro), seria legal acompanhar a queda do personagem “de perto”.

 

Amor pelos anos 70

Longlegs tem toda a pinta de roqueiro. Cabelos longos, maquiagem, era provavelmente vocalista e guitarrista de uma banda de glam rock. T-Rex, conjunto cuja música o assassino canta em cena, bebe da mesma fonte de David Bowie, artista que mencionou Aleister Crowley em suas canções.

Crowley foi um ocultista britânico bastante influente no começo do século passado. Autor de diversos livros, entre eles o “Livro da Lei”, o escritor abordou temas como astrologia, magia e misticismo. No Brasil, seu trabalho aparece também nas letras de Raul Seixas e Paulo Coelho.

Neste cenário, não é difícil imaginar que Longlegs se aventurou pelos caminhos da magia negra, topou com o Diabo e vendeu sua alma, selando a vitória do mal sobre o bem.

 

Excelência gosta de dinheiro, mas não depende dele

A dicotomia bem x mal é muito bem ilustrada ao longo do filme através do trabalho de fotografia (fique atento à cena que mostra a “escadaria para o céu”). Iluminação e movimentos de câmera bem feitos aliados à colorização da pós-produção tornam a experiência ainda mais sombria.

Além de Cage, Maika Monroe faz um trabalho primoroso com sua policial autista(?). Blair Underwood conquista nossa empatia no papel de mentor enquanto Alicia Witt precisa de apenas uma cena para nos mostrar o estado mental de sua personagem.

“Longlegs, Vínculo Mortal” é um filme sobre o mal mas é difícil apontar algo ruim. O diretor Oz Perkins (que também escreveu o roteiro) mostrou que é possível fazer um bom filme mesmo com orçamentos limitados (o longa teve menos de 10 milhões de dólares disponíveis), coisa que nem Rupert Sanders nem Brian Taylor conseguiram fazer em “O Corvo” e “Hellboy e o Homem Torto” respectivamente.

 

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