Você conhece a Lei Rouanet? É bastante provável que sim, e é possível que tenha encontrado muita desinformação retratando essa significativa política pública de maneira tendenciosa.
Instituída em 1991, a Lei Federal de Incentivo à Cultura representa uma iniciativa do Governo Federal para promover e apoiar a produção, preservação e divulgação cultural. A Lei Rouanet, está frequentemente em destaque nas conversas das pessoas. Sempre que surge uma manchete sobre esse mecanismo nos jornais, uma enxurrada de opiniões toma conta das redes sociais. Embora isso possa indicar um interesse e conscientização da sociedade no debate sobre a cultura, infelizmente, essa “popularidade” muitas vezes reflete a falta de compreensão coletiva sobre o funcionamento da lei. Um exemplo disso foi o anúncio feito pela ministra Margareth Menezes sobre o desbloqueio de R$ 1 bilhão via Rouanet. Ao invés de um debate construtivo, observou-se conversas que associavam a medida à corrupção e julgavam projetos contemplados, como o espetáculo musical da atriz Cláudia Raia, como criminosos. Esse discurso foi ecoado por figuras de autoridade, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, que comparou a liberação dos recursos aprovados no ano anterior a uma “festa”.
Contudo, essa percepção da Lei Rouanet é, no mínimo, equivocada, e não se trata de uma questão vinculada a partidarismo político. Isso ocorre porque esse discurso presume que o mecanismo opera como um investimento direto, ou seja, que os recursos aprovados para cada projeto vêm diretamente dos cofres públicos. Em um país acostumado a escândalos e ao uso de dinheiro público para fins eleitoreiros, essa concepção pode gerar desconfiança. No entanto, na realidade, esse não é o caso. A Lei Rouanet é, por definição, um investimento indireto.
O que isso quer dizer? Quando um projeto é aprovado pela Lei Rouanet, o artista essencialmente recebe autorização para buscar a captação de recursos. Em outras palavras, ele pode abordar potenciais interessados, como empresas, para apresentar o projeto. Se a empresa perceber que o projeto está alinhado à sua marca e aos seus valores, o dinheiro destinado ao financiamento do projeto é deduzido do imposto de renda dela, com um limite de até 4% do IRPF. Em contrapartida, o logo da empresa é exibido nos banners e créditos do projeto.
“É o caso do Itaú com a Bienal do Livro, da Shell com o Shell Open Air”, exemplificou Marina Rodrigues, produtora-executiva com foco em políticas públicas para o audiovisual e apresentadora do podcast Simplificando Cinema. “É uma empresa enorme, que talvez não seja tão ligada assim com cultura, mas que com o Shell Open Air passou a ser uma marca reconhecida também por quem gosta de ver filmes”.
Portanto, a Lei Rouanet é um mecanismo de benefício mútuo: o artista recebe o financiamento para seu projeto, enquanto a empresa tem o abatimento fiscal e a publicidade. Há, porém, ainda mais um benefício.
“Digamos que você comprou o ingresso para o Shell Open Air. Aquele valor vai retornar para o governo na forma de imposto, e você vai ficar com o impacto cultural. Lá dentro, se você quiser consumir, também vai voltar para os cofres públicos, porque os serviços têm impostos incluídos”, explicou Rodrigues. “E não volta para a Lei Rouanet, mas para o estado e para a federação, e consequentemente vai ser redistribuído para outras áreas com o Orçamento da União. Então [o mecanismo] gera um impacto financeiro maior. Você movimenta toda a cadeia econômica com a aprovação de um projeto cultural”.
Dúvidas Frequentes
Quais os critérios para um projeto ser aprovado pela Lei Rouanet?
Os projetos são analisados por meio de um fluxo que promove maior segurança processual, jurídica e técnica. Todos os projetos passarão por quatro fases de avaliações técnicas a partir da apresentação até a autorização para execução:
1 – Admissibilidade: é observada se a proposta atende aos objetivos da Lei Rouanet. Se aprovado nessa fase, o projeto recebe autorização de captação de recursos, ainda com valores bloqueados em conta especial.
2 – Técnica: Após atingir o mínimo de 10% de captação em relação ao valor total autorizado para captar, o agente cultural pode readequar o projeto e, em seguida, ele vai para a instituição vinculada ao MinC correspondente à linguagem, é analisado por um perito que emite um parecer conclusivo.
3 – Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC): todos os projetos passam pela análise da CNIC que pode concordar ou discordar da análise técnica anterior, devendo discutir e aprovar no colegiado a decisão final.
4 – Análise final: a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural atende às recomendações da CNIC e examina novamente a regularidade fiscal do proponente (certidões negativas) e sua regularidade no MinC. Por fim, é autorizado o início da execução e liberados os recursos captados para a conta especial monitorada pelo Ministério durante toda a execução.
Quais formas de expressão são contempladas pela Lei Rouanet?
Quando foi criada, a Lei 8.313/1991 concebia um número limitado de formas artísticas a serem amparados pela lei de fomento. Recentemente, a partir do Decreto 11.453/2023, que traz uma nova regulamentação para a Lei Rouanet, o Ministério da Cultura formulou uma a Instrução Normativa nº1/2023, que amplia o rol de formas de arte amparadas pela lei de incentivo à Cultura.
I – artes cênicas – circo, dança, mímica, ópera, teatro e congêneres;
II – artes visuais – artes gráficas e artes digitais, incluídos pintura, gravura, desenho, escultura, fotografia, arquitetura, grafite e congêneres;
III – audiovisual – produção cinematográfica e videográfica, rádio, televisão, difusão e formação audiovisual, jogos eletrônicos e congêneres;
IV – humanidades – literatura, filologia, história, obras de referência e obras afins;
V – música – música popular, instrumental e erudita e canto coral; e
VI – patrimônio cultural – patrimônio histórico material e imaterial, patrimônio arquitetônico, patrimônio arqueológico, bibliotecas, museus, arquivos e outros acervos.
Além dessas áreas e segmentos, a IN detalha outras possibilidades de manifestações culturais que podem ser incentivadas via Lei Rouanet, como:
Projeto de Arte Religiosa: projeto que abrange as manifestações artísticas que dialogam e expressam a espiritualidade, a religiosidade, a transcendência, o sagrado e seus símbolos.
Projeto de Cultura Afro-brasileira: projeto que abrange as manifestações artísticas afro-brasileiras e expressões populares como: samba, jongo, carimbó, maxixe, maculelê e maracatu, entre outros.
Projeto de Cultura Urbana: projeto que abrange o conjunto das expressões de grupos e indivíduos que desenvolvem sua arte preferencialmente nas ruas, nas praças, nos bairros, em espaços públicos, valorizando as periferias, criando novas formas de arte e sociabilidade, como o hip-hop em seus quatro elementos (DJ, MC, break grafite), batalhas de rimas, o funk e suas expressões cênicas, danças, músicas e bailes, os paredões de som, sound systems, teatro, circo e dança de rua, lambe-lambe, paradas do orgulho LGBTQIA+, ballroom, estátuas vivas, slam de poesias, saraus entre outras congêneres.
Existe limite para cachês na Lei Rouanet?
É estabelecido que os cachês artísticos fiquem limitados por apresentação. Para artista, solista e modelo o valor é R$ 25 mil por apresentação. Para grupos artísticos, bandas, exceto orquestras, é de R$ 50 mil; R$ 5 mil por apresentação, por músico; e R$ 25 mil para o maestro ou regente, no caso de orquestras.
Solicitações de valores superiores aos definidos pela IN poderão ser aprovadas pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), considerando as justificativas apresentadas pelo proponente e pela área técnica.
Como os projetos são fiscalizados?
Todos os projetos devem realizar a comprovação de despesas de forma eletrónica, durante a execução do projeto. Essas informações são cruzadas com os valores utilizados em conta bancária específica e acompanhada, em tempo real, pelo MinC.
A execução do projeto incentivado será acompanhada pelo Ministério, de forma eletrónica, por trilhas implementadas no sistema SALIC, que identificam possíveis inconsistências de execução. Esse acompanhamento será diferenciado pelo valor captado do projeto, classificado como pequeno (até R$ 750 mil), médio (de R$ 750 mil até R$ 5 milhões) e grande (acima de R$ 5 milhões).
Recentemente, o MinC lançou uma nova versão da plataforma para inscrição de projetos na Lei Rouanet. Funcionalidades para o monitoramento das comprobações em fase de execução proporcionam mais segurança por meio do compliance.
Qual o retorno da Lei Rouanet?
Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) evidenciou de forma inequívoca que a Lei Rouanet não apenas impulsiona a economia criativa brasileira, mas também gera retornos impressionantes para o país.
Ao longo de 32 anos, mais de 55 mil projetos culturais receberam investimentos dos patrocinadores, geraram um retorno de R$ 1,59 para a sociedade a cada R$ 1 investido. Esse retorno é gerado por meio da dinamização da cadeia produtiva da arte e da cultura.
De acordo com o estudo, a Lei Rouanet teve um impacto econômico significativo na economia brasileira, totalizando mais de R$ 49,8 bilhões. Esse valor engloba tanto o impacto econômico direto, que ultrapassa os R$ 31 bilhões em patrocínios captados ao longo da história e corrigidos pela inflação, quanto o impacto indireto de R$ 18,5 bilhões, proveniente da geração da cadeia produtiva decorrente dos projetos.
Para calcular o índice de alavancagem, que é de R$ 1,59, basta dividir o impacto total de R$ 49,8 bilhões pelo impacto direto de R$ 31 bilhões.
Fonte: GOV Secretária de Comunicação Social