Faleceu na segunda-feira (17) o músico brasileiro Jards Macalé aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca. A informação foi confirmada pelas redes sociais do artistas. Macalé estava internado em um hospital da Barra da Tijuca para tratar de um enfisema pulmonar quando sofreu a parada cardíaca e não resistiu.
“Jards Macalé nos deixou hoje. Chegou a acordar de uma cirurgia cantando Meu Nome é Gal, com toda a energia e bom humor que sempre teve. Cante, cante, cante. É assim que sempre lembraremos do nosso mestre, professor e farol de liberdade. Agradecemos, desde já, o carinho, o amor e a admiração de todos. Em breve informaremos detalhes sobre o funeral”, informou a nota divulgada.
Uma vida dedicada a arte
Nascido no Rio de Janeiro em 1943, Jards Macalé iniciou sua trajetória musical nos anos 60. Sua formação, curiosamente séria, incluiu o estudo de teoria musical e violão erudito. Essa base sólida permitiu que ele se movesse com desenvoltura entre o jazz, a seresta e o samba-canção, inicialmente em grupos como o duo Dois no Balanço. Logo, porém, a efervescência cultural e política o levaria a integrar a linha de frente da contestação artística.
Macalé se profissionalizou como violonista nos espetáculos músico-teatrais do Grupo Opinião, um importante núcleo de protesto e resistência, dividindo o palco com nomes como Zé Keti, João do Vale e Nara Leão. Essa experiência o moldou como um artista que via sua produção para além da música, encarando-a como um ato político e uma forma de performance, em consonância com outras artes.
Embora muitas vezes associado à Tropicália, Macalé não foi um membro formal do movimento, preferindo a autonomia a ser cooptado pela indústria cultural. No entanto, sua obra reverberou o espírito de ruptura e contracultura.
Em 1969, ao lado do poeta José Carlos Capinan, Macalé apresentou “Gotham City” no IV Festival Internacional da Canção. A performance propositalmente estranha e provocativa, que abordava os terrores da ditadura, gerou uma sonora e consagradora vaia da plateia. Foi o batismo do artista como figura central da vanguarda e, nas palavras do próprio Macalé, o transformou de desconhecido em famoso da noite para o dia.
Sua influência tropicalista se solidificaria em 1971, quando Caetano Veloso, exilado em Londres, o convidou para ser o diretor musical e violonista de seu icônico álbum “Transa”. Antes de viajar, porém, Macalé deixou um legado para a musa tropicalista Gal Costa, cedendo canções cruciais como “Hotel das Estrelas”, “Mal Secreto” e “Vapor Barato” (parceria com Waly Salomão), que se tornariam clássicos no antológico disco “Fa-Tal” de Gal.
Ao retornar ao Brasil, Macalé lançou seu primeiro LP solo em 1972, um trabalho de forte sintonia experimental que já mostrava sua versatilidade ao lado de músicos como Lanny Gordin e Tutty Moreno. Sua carreira discográfica seguiu uma linha de inquietação e múltiplas parcerias com nomes como Wally Salomão, Torquato Neto e, claro, Capinam, musicando até mesmo versos de poetas como Ezra Pound e Gregório de Matos.

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O artista se recusou a ser rotulado, especialmente como “maldito” ou “marginal”, termos que, segundo ele, eram reducionistas e simplificavam uma obra complexa e inclassificável. Sua discografia — que inclui “Aprender a Nadar” (1974), “Contrastes” (1976), “Amor, Ordem & Progresso” (2003) e, mais recentemente, “Coração Bifurcado” (2023) — reflete sua recusa em buscar a síntese, preferindo o “caos produtivo” da arte.
Macalé também deixou sua marca no cinema, compondo trilhas para filmes emblemáticos como “Macunaíma” (1969), “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969) e “A Rainha Diaba” (1974). Artista completo, ele não só compôs, mas também atuou, confundindo o personagem “Macalé” com a vida de “Jards Anet da Silva”.
Com uma carreira de mais de 55 anos, Macalé sempre manteve sua postura de irreverência e coerência, consolidando-se como um farol de liberdade e um dos mais originais e inventivos compositores do Brasil, cuja obra, atravessada pela vanguarda e pela busca por autonomia, permanece atual e influente.
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