“Relógios Partidos”: a estreia literária de Luiza Conde nos leva a enfrentar os medos humanos e o tempo
Com uma bagagem sólida como roteirista, a carioca Luiza Conde estreia na literatura com “Relógios Partidos” (Editora Litteralux, 114 páginas), uma coletânea de 12 contos fantásticos que exploram os medos humanos mais universais: envelhecer, errar, viver, morrer e ficar só. Dividido em três partes que dialogam com passado (“Tempos que foram”), presente (“Tempos que são”) e futuro (“Tempos que podem ser”), o livro apresenta cenários misteriosos, como ônibus que partem para lugar nenhum e coleções macabras de sangue, em histórias que oscilam entre o insólito e o terror.
A autora bebe de influências como Mariana Enriquez, Lygia Fagundes Telles, Silvina Ocampo e Socorro Acioli, e já é apontada como uma nova voz promissora da literatura fantástica brasileira. O livro ainda conta com uma orelha assinada pelo escritor e pesquisador Leonardo Villa-Forte.
Sobre Luiza Conde
Nascida em 1989 no Rio de Janeiro, Luiza é formada em Letras — Português e Russo pela UFRJ e teve uma década de experiência no mercado editorial antes de migrar para o audiovisual. Como roteirista, integrou projetos de destaque, como as séries “Sem Filtro” (Netflix), “Vai que Cola” (Multishow) e “Detetives do Prédio Azul” (Gloob). Também é coautora do longa “Jogada Ensaiada”, vencedor do Prêmio Cabíria em 2021.
Literária e cinéfila, suas inspirações atravessam gêneros, passando pelo realismo mágico latino-americano, a ficção científica e os clássicos da literatura mundial, com nomes como Machado de Assis, Jorge Luis Borges, Ursula K. Le Guin, Clarice Lispector e Isaac Asimov entre suas referências.
O que vem a seguir
Além de explorar novos caminhos na literatura com um romance intitulado “A Hóspede”, Luiza já trabalha em uma segunda coletânea de contos, desta vez inspirada pela temática dos labirintos. Em 2025, ela também se aventura no teatro com sua primeira peça como dramaturga, “Memórias da Superfície”, uma sátira afiada sobre influenciadores digitais e redes sociais.
Com uma trajetória que une o rigor da escrita literária à agilidade do roteiro, Luiza Conde é uma voz vibrante no cenário criativo brasileiro. “Relógios Partidos” não apenas marca sua estreia, mas também convida leitores a se perderem — e se encontrarem — em histórias que desafiam o tempo e os limites da imaginação.
Confira a entrevista na íntegra:
Por que escolher tempo e morte como temas a se trabalhar em um livro?O tempo sempre foi uma ideia fascinante para mim, desde pequena. Sempre amei histórias de viagem no tempo, com as suas intrincadas regras de funcionamento e os seus paradoxos. Lembro de ler sobre o paradoxo dos gêmeos quando era bem pequena e ficar totalmente ensimesmada com a ideia de que o tempo é mutável, moldável. Eu gosto da ideia do tempo como essa entidade que existe e não existe simultaneamente, como algo que sentimos e vivenciamos, mas que da mesma maneira criamos ao inventar as medidas de tempo e as convenções para a sua passagem. Acho incrível que consigamos dar formas ao futuro, algo que ainda não existe. E que tenhamos um passado coletivo compartilhado que nos impacta mesmo que não o tenhamos vivido. Acho difícil também lidar com o tempo, tenho dificuldade de administrá-lo e de precisar quanto cada coisa vai levar. Também por isso, escrevo sobre o tempo, para ver se faço mais sentido da coisa.
Já a morte se apresentou como tema balizador do livro mais por circunstâncias de vida. Sempre gostei tanto de escrever quanto de ler e assistir histórias violentas, e, portanto, a morte sempre foi temática da minha literatura. Mas acho que só se tornou um elemento tão estrutural do livro por ter começado a escrevê-lo pouco depois de perder meu pai e, ainda durante o processo de escrita, ter perdido minha mãe também. Assim, os anos de escrita do livro foram de perda e luto, e não havia como esses temas não transbordarem para a obra de uma forma ou de outra.
Como foi o processo de escrita de Relógios Partidos?
A minha literatura sempre foi mais densa, como em Relógios Partidos. Curiosamente, desde que me tornei roteirista, aos 27 anos, só fui chamada para escrever comédias, como o meu currículo indica. Sou grata ao roteiro por ter revelado esse talento para a comédia que eu não sabia que tinha e que não teria descoberto de outra forma. Sinto que incorporei um humor sombrio à minha literatura por conta dessa descoberta, inclusive. No entanto, em algum momento começou a pesar o fato de só escrever comédias (e o mesmo tipo de comédia) no roteiro. Retomei a escrita da literatura aos 30 anos por necessidade de dar vazão a coisas que queria escrever que não tinham espaço no roteiro. Aos 31, em meados de 2021, uma amiga me indicou a oficina Casulo do Leonardo Villa-Forte, escritor e pesquisador. Era uma oficina de leitura e escrita de contos. Toda semana, nós líamos alguns contos e o Leonardo passava uma proposta de exercício em cima deles, e na semana seguinte líamos os contos que tínhamos escrito. Assim, eu fui escrevendo um conto por semana, e fui gostando do resultado. Ao final do ano, a oficina se encerrou e eu me dei conta de que já tinha um número bem considerável de contos escritos. Foi daí que surgiu a ideia de Relógios Partidos. O processo de escrita não foi fácil, como disse foram anos de perdas muito duras, lutos e transformação. Também estava em salas de roteiro durante 2022 e 2023. Por conta disso tudo, não pude me dedicar com a constância que gostaria ao livro. Passei 2022 e a primeira metade de 2023 o escrevendo, reescrevendo, revisando. Em agosto de 2023, finalmente consegui terminá-lo.
Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?Acho que o livro traz uma mensagem de não conformismo. Tanto de um ponto de vista individual, de romper com os papéis que somos obrigados a performar socialmente, com o que é esperado de nós; quanto coletivamente de ruptura com o status quo. Afinal, não é porque “as coisas são assim” que está tudo bem. As consequências da conformidade em nossa sociedade podem ser (e são) terríveis, o que também é explorado em alguns contos do livro.
Acho também que, embora não seja exatamente uma mensagem do livro, ele sustenta algo que me é muito caro artisticamente: a ideia de que a arte deve causar algum tipo de incômodo, de desconforto, de deslocamento, porque isso gera reflexão e investigação.
O que esse livro e a escrita dele representam para você?
Para mim, é ao mesmo tempo a concretização de um grande sonho e o início de uma trajetória. Entendo agora que quero construir uma carreira como escritora e dramaturga, e Relógios Partidos, para mim, é o ponto inicial desse caminho. A escrita do livro foi minha companheira durante esse momento pessoal delicado de luto, ao mesmo tempo em que o mercado de roteiro vem enfrentando um período complicado nesses anos pós-pandemia. Entendi não só a vontade, como a necessidade de diversificar meus caminhos profissionais, o que também fez crescer em mim um desejo antigo de retomar e aprofundar os estudos acadêmicos, outro caminho que pretendo começar a trilhar em breve. Isso tudo foi se dando durante o processo de escrita e publicação do livro, foi um período de investigação e transformações profundas mesmo.
Como a sua bagagem profissional como roteirista ajudou na construção da obra?
Embora esse seja o meu primeiro livro, considero que os anos de carreira como roteirista ajudaram bastante, especialmente no que diz respeito a uma constância, velocidade e experiência de escrita, principalmente no sentido de saber com mais facilidade o que funciona e o que não.
Por quê a escolha dos gêneros conto e literatura fantástica para a escrita de Relógios Partidos?
Sempre escrevi contos, desde novinha. Já a literatura fantástica surgiu depois. Ali pelos 15, 16 anos meu pai me apresentou o Borges, e daí eu fui conhecer também o Cortázar, o Bioy Casares, a Ocampo… O Horacio Quiroga e a Lygia Fagundes Telles foram meu primeiro contato com contos de terror, e mais tarde eu viria a descobrir também a ficção científica. São gêneros que me fascinam, principalmente o realismo fantástico latino-americano, por ser uma expressão que eu considero bastante afinada com a nossa cultura, tradições e realidade. Assim é que, quando retomei a escrita de literatura aos 30, entendi que o que mais me interessava escrever era literatura fantástica e de gênero.
Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
O Leonardo Villa-Forte disse na leitura crítica dele que a minha literatura se equilibra entre a brutalidade e a doçura. Acho que é uma ótima definição. Como falei mais acima, gosto de arte que incomoda e, por esse motivo, provoca reflexão, um olhar para dentro, uma reação. Não gosto da ideia de arte morna, sem alma. Também me interessa bastante a literatura de gênero, e é o que eu gosto de fazer: literatura fantástica, de terror, ficção científica.
Inicialmente, não adotei estrutura nenhuma, no sentido de que sabia que seria uma coletânea de contos fantásticos, mas só isso. Fui juntando contos que me agradavam num mesmo documento para ter uma noção mais precisa de quantas páginas eu já tinha. Mas com isso fui percebendo que alguns contos conversavam entre si e tinham uma forma parecida. Foi assim que cheguei à ideia macro do livro como uma viagem no tempo e da divisão das 3 partes: passado, presente e possibilidades de futuro. A partir daí, organizei os contos que já tinha nas 3 partes, cortei alguns que não cabiam na proposta e aí sim passei a escrever de acordo com o que ainda precisava e com a proposta de linguagem de cada parte também.
Desde quando você escreve? Como nasceu sua relação com a literatura?
Comecei a escrever bem novinha. Sempre adorei ler, e já pequena veio essa vontade de contar as histórias que surgiam na minha cabeça. Escrevi meu primeiro livrinho aos 9 anos. Mas foi com 13, depois de ler Crime e Castigo, que a ideia de ser escritora de fato surgiu. O livro teve um impacto enorme em mim, e para mim pareceu mágica a possibilidade de poder despertar tantos sentimentos com palavras no papel. Escrevi dos 13 até os 19 ou 20 (sempre contos), quando decidi deixar esse sonho para trás (o jovem sempre acha que está velho demais para alguma coisa). Aos 24, no entanto, eu (que também sempre fui apaixonada por cinema e TV) tive a ideia de me tornar roteirista. Aos 27 comecei na carreira. Aos 30 retomei a escrita de literatura. Aos 31, comecei a escrever Relógios Partidos.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
Tem dias em que não escrevo nada e dias em que escrevo madrugada adentro sem parar. Sou uma escritora meio caótica, não tenho uma frequência e horário pré-definidos. Também não costumo escrever a esmo. Escrevo de acordo com o projeto que estou desenvolvendo no momento. É o que me motiva e engaja. As demandas profissionais também fazem com que a escrita autoral aconteça quando dá, no ritmo em que é possível.
(Com informações e imagens da Assessoria de Imprensa)