Foto Pandora Filmes/Divulgação
O filme Paraíso em Chamas é a estreia na ficção da diretora sueca Mika Gustafson e surpreende por seu realismo cru e incômodo. A história acompanha três irmãs, Laura (Bianca Delbravo), Mira (Dilvin Asaad) e Steffi (Safira Mossberg), que vivem sozinhas em um subúrbio sueco, tentando esconder do mundo a ausência da mãe. Para não serem separadas pelos serviços sociais, as meninas criam suas próprias regras, sobrevivem como podem e fazem de conta que sabem cuidar de si mesmas.
Desde o início, o filme causa uma sensação forte de estranhamento e angústia. Ver crianças tão novas “se fazendo de adultas” é doloroso, porque, no fundo, elas ainda são crianças, com toda a parcialidade, impulsividade e ingenuidade que isso carrega. Em vários momentos, as meninas se colocam em situações perigosas, acreditando que têm o controle, quando na verdade estão completamente expostas. Essa contradição, entre brincar de ser adulta e enfrentar problemas reais, é o que dá ao filme uma tensão constante.

As atuações são intensas e muito naturais, principalmente a de Bianca Delbravo, que interpreta Laura, a irmã mais velha. Ela carrega a responsabilidade de ser uma “líder” do trio, mesmo sem ter preparo para isso. Seu jeito de comandar mistura bravura, medo e confusão, e o espectador sente isso em cada cena.
Outro ponto marcante da história é a relação entre Laura e Hanna, uma mulher de classe média que se aproxima da jovem de forma ambígua. Hanna é uma personagem instável e egoísta: ao ver Laura, uma menina sozinha, carente e influenciável, enxerga nela uma chance de fugir da própria realidade, de reviver algo que perdeu ou que gostaria de ter. Só que essa relação não é inocente. Hanna é uma mulher adulta, e envolver-se emocionalmente com uma adolescente abandonada, sem assumir responsabilidade real, é cruel e irresponsável. O filme trata isso com sutileza, mas a mensagem é clara: essa relação é perigosa, e Laura não tem como perceber completamente os riscos.

A direção de Mika Gustafson é precisa e sensível. A câmera mostra os detalhes do cotidiano das meninas, festas improvisadas, pequenos furtos, brincadeiras na rua, de um jeito que alterna momentos quase poéticos com outros de pura tensão. Essa mistura entre liberdade e perigo prende o espectador e reforça a ideia de que tudo pode desmoronar a qualquer momento.
Esse trabalho delicado e poderoso rendeu reconhecimento: Gustafson venceu o prêmio de Melhor Direção na mostra Orizzonti do Festival de Veneza, um dos mais importantes do cinema mundial. A premiação reforça a força da narrativa e a habilidade da diretora em conduzir um elenco jovem em uma história difícil, sem recorrer a exageros ou dramatizações forçadas.
Apesar da qualidade do filme, algumas partes da narrativa deixam lacunas. Há momentos em que subtramas parecem não se desenvolver completamente, ainda assim, essas escolhas também ajudam a criar uma sensação de incerteza que combina com a experiência das próprias personagens.

Paraíso em Chamas é, acima de tudo, um filme sobre infâncias interrompidas. Sobre meninas que, em vez de serem cuidadas, precisam se virar sozinhas. É um retrato doloroso e belo ao mesmo tempo, que incomoda justamente por ser tão realista. Ao assistir, é impossível não sentir um aperto no peito ao ver crianças tentando carregar pesos que pertencem aos adultos.
Mais do que contar uma história, o filme convida o público a encarar a responsabilidade social e afetiva que adultos têm sobre crianças e adolescentes. E mostra, com delicadeza e dureza na mesma medida, o quanto a fronteira entre liberdade e abandono pode ser perigosa.
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