Foto: O Folhetim Cultural/Lucas Azevedo
A partir de 2021 houve um boom na compra de discos de vinil no mundo todo, quando pela primeira vez em mais de 30 anos as vendas de discos ultrapassaram o número de vendas de CDs — mesmo com o crescimento e a dominação dos streamings. Mas os verdadeiros protagonistas deste aumento são os jovens da geração Z.
Um exemplo é o João Marco Facchini, de 19 anos, estudante de produção musical que desde o começo do ano coleciona discos. Ao todo, possui 14 discos e todo mês compra dois: um novo e um usado.
“Eu coleciono mais por uma questão de estética. Também gosto da emoção de procurar pelo álbum que estou escutando… Quando montei o estúdio achei que ficaria legal ter essa coleção para enfeitá-lo. Também tem a questão comercial de quando uma pessoa vem aqui e pode ficar apreciando os discos.”

No Brasil, o crescimento também é expressivo. O Relatório da Pro-Música Brasil 2023 aponta que o segmento de música gravada movimentou R$ 2,864 bilhões, um aumento de 13,4% em relação a 2022. Dentro desse mercado, os discos de vinil tiveram um salto de 136,2% em faturamento em 2022 e continuaram crescendo em 2023. Em 2024, a tendência se manteve, com alta próxima de 46% e faturamento ultrapassando os R$ 16 bilhões na soma geral da indústria fonográfica.
Quem explica melhor é o professor universitário, escritor e mestre em semiótica Daniel Palla Apache:
“Quando os fenômenos culturais atingem um patamar de superficialidade, as pessoas começam a buscar uma maneira de autenticidade, uma relação mais próxima com a obra e com o artista… Para aquelas pessoas que realmente gostam da música, elas querem uma experiência de poder tocar, poder ver, de ter um ritual mais imersivo. Hoje em dia é tudo imaterial. Fica tudo salvo na nuvem.”
Isso ocorre também com o estudante de jornalismo João Alexandre Brzezinski, de 21 anos, que conta com uma coleção de cerca de 60 discos. Seu gênero favorito é principalmente a MPB, com artistas como Gilberto Gil e Marcos Valle.
“Escutar música no vinil é uma relação diferente… Não tem nenhum algoritmo que muda para a próxima automaticamente. Você tem que sentar e mudar o lado do disco na vitrola. Você acaba prestando atenção no instrumental, no ritmo da música, no caminho que ela está seguindo.”
Quem reforça essa visão é o professor de produção musical Alan Medeiros:
“Para consumir uma mídia física é preciso um equipamento correspondente com aquela mídia. Isso faz com que você se preocupe com o espaço, passe a se preocupar com outras questões para além da execução da música. Existe toda uma ritualística envolvida. Você passa a enxergar o som dentro de um espaço real, começa a ouvir o som com tridimensionalidade.”

Segundo o professor, existe sim uma diferença entre escutar música na vitrola e no celular:
“Existem estudos que dizem que os graves nos sulcos de um disco de vinil potencializam a qualidade dessa faixa de som, permitindo sentir mais os instrumentos tocados nas músicas.”
De acordo com a IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica), o vinil é hoje o formato físico que mais cresce no mundo, impulsionado principalmente por jovens da geração Z e por edições limitadas de artistas atuais. Esse movimento levou até grandes redes de varejo, como a Amazon e a Urban Outfitters, a abrirem seções exclusivas para LPs. Segundo a mesma entidade, em 2024 a música gravada alcançou US$ 29,6 bilhões em receita — com o streaming dominando 69% do total. Mas atenção: os discos de vinil registraram seu 18º ano consecutivo de crescimento (+4,6%), resistindo à queda dos outros formatos físicos.
O mestre em semiótica Daniel reforça que o mercado é instável e imprevisível, mas que os discos dificilmente voltarão a cair em desuso como antes:
“O vinil é um produto que não é mais necessário, mas se tornou o interesse de consumo de muita gente. Se ele se manteve nesse contexto, acho muito difícil ele voltar a perder valor… Tanto bandas antigas quanto bandas novas estão lançando álbuns em vinil, algo que não acontecia há muito tempo.”
Tanto João Alexandre quanto João Marco pretendem continuar colecionando. Seja para deixar o ambiente de trabalho mais atraente, seja para se imergir ouvindo seus artistas favoritos, os discos e a música são essenciais na vida de ambos. João Marco mantém o ritual de comprar um disco usado e um novo por mês, e pretende seguir assim por muito tempo. Já João Alexandre compra sempre que sobra um dinheirinho.
“Quando você coloca o disco e senta para escutar música, é aí que você está de fato consumindo música.” Completa o estudante de jornalismo
