(Atenção: O texto a seguir contém spoiler dos filmes da franquia)
Lançado em 2014, “Como Treinar o Seu Dragão 2” se passa cinco anos após os eventos do primeiro filme. Agora com 20 anos, Soluço almeja explorar o mundo e desbravar novas terras ao lado de Banguela. No entanto, quando um antigo perigo retorna ameaçando Berk e os dragões, a dupla precisa se unir para enfrentar o desafio, ao mesmo tempo em que lida com um misterioso cavaleiro de dragões, que possui uma forte conexão com o passado do protagonista.
Assim como no primeiro filme, a cena de abertura de “Como Treinar o Seu Dragão 2” consegue contextualizar muito bem para o espectador a nova realidade de Berk, onde vikings convivem pacificamente com dragões. Tudo isso é articulado através da “Corrida de Dragões”, em uma sequência dinâmica que remete às cenas de Quadribol em “Harry Potter”.
A reintrodução de Soluço e Banguela ao público também merece destaque especial. A forma como a dupla voa com tamanha velocidade e graça pelos céus, quase como um balé aéreo, demonstra o quanto a relação entre cavaleiro e dragão evoluiu nesses cinco anos. O uso da canção “Where No One Goes” eleva ainda mais o sentimento de aventura da cena. Toda essa sequência culmina com o primeiro voo de Soluço usando seu traje planador, uma das cenas mais memoráveis de toda a franquia.
Se você leu a crítica anterior da retrospectiva, deve se recordar de como foi mencionado que a equipe criativa tem coragem ao desenvolver essas histórias, algo que se estende por toda a trilogia. Seria muito fácil e previsível continuar a narrativa com os personagens ainda crianças, mas Dean DeBlois e sua equipe não optaram por esse caminho. Envelhecer os personagens permitiu não apenas aprofundar os relacionamentos e contar histórias mais maduras, como também a oportunidade de que crescessem e envelhecessem junto com o público, algo raro e mágico de se ver em franquias.
Ao reencontrarmos Soluço, agora com 20 anos, percebemos como ele amadureceu, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Seu potencial como inventor se aprimorou, evidenciado pela criação do traje de voo e da espada flamejante, Inferno.
A relação com seu pai também evoluiu: Stoico agora admira o filho e considera passar-lhe a responsabilidade de liderar a tribo. Já o relacionamento com Astrid é desenvolvido com cenas cômicas e afetuosas, mas também com momentos de companheirismo, como quando ela apoia Soluço em sua crise de identidade e propósito. Um pequeno detalhe interessante são as tranças no cabelo de Soluço. Embora o filme não mencione explicitamente, o fato de ser Astrid quem as faz, e de Soluço simplesmente deixá-las, reforça a conexão íntima entre eles.
Após o sucesso do primeiro filme, a DreamWorks rapidamente encomendou uma sequência apenas um mês após a estreia. DeBlois aceitou retornar, com uma única exigência: ele queria uma trilogia. Como o próprio roteirista e diretor explicou ao portal Cinemablend, o segundo longa seria o “Império Contra-Ataca” da franquia “Como Treinar o Seu Dragão”, elevando ainda mais os acertos do primeiro filme e conduzindo os personagens por uma jornada mais madura e perigosa.
E, assim como em “Império Contra-Ataca”, onde descobrimos que um personagem mascarado é parente do protagonista, em “Como Treinar o Seu Dragão 2″ temos a introdução de Valka. Ao longo do filme, é apresentado um misterioso cavaleiro de dragões que luta contra caçadores. Após serem confrontados por esta figura, Soluço e Banguela são levados ao Santuário de Dragões, onde ela revela ser, na verdade, Valka, a mãe de Soluço.
Talvez o ponto fraco do filme, para algumas pessoas, seja justamente esse recurso de introduzir um parente perdido que o protagonista e o público desconheciam, algo muitas vezes batido ou forçado em outras obras. No entanto, acredito que DeBlois e sua equipe conseguem justificar bem o desaparecimento de Valka. Quando Soluço ainda era um bebê, sua mãe foi levada por dragões durante um ataque a Berk, fazendo todos acreditarem que havia morrido.
Valka, entretanto, sobreviveu e passou a viver entre os dragões. É interessante como os animadores transmitem visualmente o comportamento mais “animalesco” da personagem, reforçando o fato de que ela passou 20 anos afastada da civilização. Apesar do vasto conhecimento sobre os dragões, até maior que o de Soluço, ela tem dificuldade em socializar. Um detalhe sutil, mas eficaz, é a forma como ela reconhece o filho por uma pequena cicatriz no queixo, aspecto visual presente desde o primeiro filme.
O roteiro conduz bem as interações entre Soluço e Valka, que se conectam pelo amor mútuo aos dragões e à aventura, em uma tentativa de recuperar o tempo perdido. É por meio de Valka que Soluço conhece novos dragões, como Pula Nuvem, dragão pessoal de Valka cujo visual remete a uma coruja, e a Besta Implacável, um gigantesco dragão branco que cospe gelo e serve como Alfa entre os dragões.
Também é comovente o reencontro entre Valka e Stoico. É difícil não se emocionar com falas como “Você está tão linda quanto no dia em que eu te perdi”, ou com a dança ao som da bela canção “For the Dancing and the Dreaming”, que sela a reconexão do casal e a esperança de formarem uma família novamente.
Mas não é apenas o lado dos heróis que se expande na sequência. “Como Treinar o Seu Dragão 2” introduz novos perigos, representados pelo antagonista Drago e seus caçadores de dragões. Se no primeiro longa o vilão era uma força da natureza, o dragão Morte Rubra, aqui temos um senhor da guerra implacável que subjuga homens e dragões por meio do medo. Drago é um vilão intimidador graças a um visual ameaçador, boa presença de tela e a habilidade de controlar dragões como armas de guerra. Ele representa um desafio profundo para Soluço, que passa a questionar suas crenças pacifistas.
Drago se mostra um antagonista memorável também pela forma como afeta diretamente o protagonista. Após a Besta Implacável de Drago matar o Alfa de Valka, ele passa a controlar todos os dragões, inclusive Banguela. Subjugado, o Fúria da Noite ataca Soluço, com Stoico se sacrificando para salvar o filho.
É uma cena forte e corajosa. Não apenas pela morte de um personagem querido, mas pelo fato de que o mascote da franquia, Banguela, é quem acidentalmente o mata. O momento em que Banguela se aproxima do corpo sem vida de Stoico e Soluço o afasta com raiva é especialmente doloroso. Essa cena só aconteceu porque Guillermo del Toro, diretor de “O Labirinto do Fauno” e “Círculo de Fogo”, sugeriu a seguinte troca do personagem que morreria, já que originalmente, o personagem que morreria seria Bocão. O funeral de Stoico, com a versão melancólica da música da dança com Valka, acentua ainda mais a dor da perda.
Dean DeBlois revelou que essa sequência tem um caráter pessoal. Em entrevista ao The Hollywood Reporter, ele contou que perdeu o pai aos 19 anos — evento que marcou sua transição “de menino para homem”, e quis refletir isso na jornada de amadurecimento de Soluço.
Mais uma vez, o trabalho de John Powell na trilha sonora se destaca. Neste segundo filme, o compositor cria temas belíssimos como “Dragon Racing”, “Flying with Mother”, “Battle of the Bewilderbeast” e “Stoick’s Ship”, além das já mencionadas faixas cantadas com participação do cantor islandês Jonsi. Todas as músicas casam perfeitamente com o tom e a emoção das cenas.
Se no primeiro filme alguns aspectos visuais envelheceram, o mesmo não se aplica ao segundo. “Como Treinar o Seu Dragão 2” foi o primeiro filme da DreamWorks a usar o “Apollo”, um software de animação proprietário do estúdio. O salto gráfico é impressionante: texturas, modelagem de personagens, expressões faciais, partículas de efeitos e iluminação alcançam um novo patamar. Mesmo mais de uma década após seu lançamento, o filme continua visualmente deslumbrante.
Outro ponto positivo herdado do primeiro filme é a fotografia, que cria planos visualmente belos e transmite com eficácia a sensação de velocidade e adrenalina nas cenas de voo, bem como a escala épica das batalhas contra o exército de Drago e a Besta Implacável.
O clímax se dá em uma grande batalha entre Soluço e Banguela contra Drago e sua Besta Implacável, pelo destino de Berk e dos dragões. O conflito culmina com Soluço sendo nomeado novo líder da aldeia, e Banguela tornando-se o novo Alfa dos dragões. Assim como no primeiro filme, há um paralelo simbólico entre os dois protagonistas, agora líderes de seus respectivos “bandos”.
Em resumo, “Como Treinar o Seu Dragão 2” cumpre com excelência o papel de uma continuação. Não apenas aprimora os pontos fortes do original e entrega uma aventura ainda mais grandiosa, como também amadurece seus personagens, expande o universo e constrói uma narrativa envolvente, emocionante e inesquecível.
Imagens: Reprodução Dreamworks