2023 foi um ano um tanto caótico quando nos referimos ao tópico de Inteligência Artificial (IA). Com a disponibilização de serviços como Chat GPT, Open AI, Mid Journey e tantos outros para o grande público, pudemos ter um primeiro vislumbre do quão impressionante, revolucionária e disruptiva esta tecnologia pode ser. Neste período, muitas discussões e debates mundo afora foram feitos quanto aos impactos da IA nos mais diversos setores do mercado de trabalho, classes profissionais que podem ser extintas graças a essa tecnologia e as regulamentações necessárias para o uso de IAs.
Na indústria cinematográfica não foi diferente, com um dos movimentos mais ativos para regularização de inteligências artificiais. 2023 foi marcado por extensas greves dos sindicatos dos roteiristas e atores nos Estados Unidos, paralisando Hollywood por quase meio ano. A greve dos roteiristas iniciou-se em 2 de maio de 2023, apenas para ser encerrada no dia 27 de setembro, com a greve dos atores durando de 14 de julho a 9 de novembro.
Acima de reajustes salariais com os estúdios, essas greves ocorreram em prol de regularizações e como forma de proteger o trabalho de milhares de roteiristas, atores e atrizes contra o uso abusivo, e até antiético, da inteligência artificial. Ferramentas modernas de geração de texto conseguem produzir não só ideias e premissas de histórias, como roteiros completos para uma série ou filme. Basta alguns cliques e os comandos corretos, e em questão de minutos, você tem um script montado.
Quanto aos atores, a situação complica ainda mais, já que os estúdios buscam usar IA para substituir figurantes em cenas, baratear custos de produção e empurrar cláusulas contratuais de que atores e atrizes teriam suas feições e vozes escaneadas para serem replicadas posteriormente por meio de IA. Se isso já não soa bizarro o bastante, os estúdios também teriam a possibilidade de usar a feição e voz de atores já falecidos em futuros projetos, sem a necessidade do consentimento ou pagamento de royalties para familiares, como divulgou o portal especializado em cinema The Hollywood Reporter.
Outras revistas e portais do meio especulam que o motivo da demora para a resolução de ambas as greves tenha sido o fato dos sindicatos não entrarem em acordo com os estúdios quanto à regulamentação de IA. No entanto, os sindicatos e estúdios conseguiram achar um meio termo e um novo acordo foi estabelecido até 2026.
Para os roteiristas, o uso de IA se torna uma ferramenta opcional, com a decisão de usar ou não no roteiro tendo que partir do próprio escritor, sem a interferência do estúdio ou executivos. Já para os atores, o acordo aprovado pelo sindicato estabelece uma série de proteções legais, incluindo remuneração adequada e consentimento para uso de escaneamentos faciais e de voz.
Entretanto, existem outros setores da indústria cinematográfica em que a IA já está sendo empregada, mais especificamente em setores como design gráfico, artes conceituais, efeitos especiais e pós-produção. Produções recentes como Invasão Secreta (2023), Entrevista com o Demônio (2024) e Guerra Civil (2024) utilizaram de inteligência artificial em seu desenvolvimento, seja na sequência de abertura, pôsteres e artes promocionais e outros elementos gráficos presentes nas obras. As três citadas, foram alvos de grande polêmica nas redes sociais, com vários usuários expressando desgosto pela decisão de utilizarem um trabalho gerado por IA e não o de artistas reais, com muitos inclusive declarando que se recusam a assistir qualquer uma das produções como forma de repúdio.
O setor da dublagem também é outro que está bem preocupado com a rápida ascensão da IA e o que isso pode significar para profissionais da área. Ferramentas hoje em dia são capazes de recriar quase com perfeição a voz e o timbre de uma determinada pessoa, como foi o caso de uma recente campanha de marketing com Will Smith, onde o ator aparece falando diferentes línguas, incluindo o português, com a sua própria entonação e timbre de voz, graças ao auxílio de inteligência artificial. Isso fez com que vários movimentos nas redes sociais como o Real Dubbing? Real Voices! nos Estados Unidos e o Dublagem Viva no Brasil surgissem, com milhares de dubladores e dubladoras se manifestando em prol da regulamentação das ferramentas de inteligência artificial no setor.
No fim, voltamos à pergunta no título desta matéria: Como a inteligência artificial vai impactar o cinema?, e a resposta é que ninguém sabe ao certo. As IAs são uma tecnologia disruptiva de mercado tão grande quanto senão maior que a própria internet. Nem mesmo especialistas em programação de inteligências artificiais têm real noção do potencial destas ferramentas. Mas uma coisa é certa, não tem como voltar atrás agora.
Da mesma forma como ocorreu com outras inovações tecnológicas ao longo da História como a máquina a vapor, a eletricidade e a própria internet, as IAs são ferramentas que abrem muitas novas possibilidades e maneiras de otimizar qualquer trabalho. Mas como qualquer ferramenta, ela deve ser utilizada com responsabilidade. Esta é uma tecnologia que veio para ficar e tudo que podemos fazer no momento é palpitar, especular sobre o futuro e lutar por regulamentações de uso de IAs no mercado de trabalho, a fim de minimizar os impactos na substituição humana.