Lançado na última quinta-feira (18), o terceiro capítulo da franquia idealizada por James Cameron reafirma seu estatuto de espetáculo sensorial. No entanto, diferentemente do que parte da crítica apressada sugere, “Fogo e Cinzas” não se limita à repetição de fórmulas visuais consagradas. Observado como parte de uma narrativa seriada — como a própria proposta da saga exige —, o longa evidencia um amadurecimento progressivo de seus arcos dramáticos, apostando em um roteiro mais denso e interessado nas consequências emocionais de seus eventos.
Nesta nova etapa, a família Sully, agora aliada também ao Povo da Água, enfrenta ameaças de naturezas distintas. De um lado, o retorno do já conhecido Coronel Quaritch, cuja obsessão genocida contra os Na’vi ganha novos contornos. De outro, surge o Povo das Cinzas, liderado pela perturbadora Varang, cuja ambição pelo domínio de outros clãs encontra em Quaritch uma oportunidade estratégica ainda mais perversa. O embate deixa de ser apenas físico: trata-se de um choque de visões de mundo, poder e sobrevivência.
O elenco principal — com Zoe Saldaña, Sam Worthington, Stephen Lang, Kate Winslet e a recém-chegada Oona Chaplin — entrega performances que acompanham a crescente complexidade emocional da trama. Em especial, a Neytiri de Saldaña atinge aqui uma camada de dor raramente explorada no cinema de grande orçamento. Ignorar a profundidade de seu luto, consequência direta dos eventos de O Caminho da Água, é desconsiderar uma das atuações mais intensas de toda a franquia. Diferente do tom distanciado observado em Emília Perez, Saldaña se entrega integralmente a uma personagem que conhece intimamente, mas que continua em constante transformação.
Visualmente, o filme alcança seu ponto mais alto. A fotografia e o CGI elevam Pandora a um patamar de grandiosidade raramente visto no cinema contemporâneo. A construção de cenários, aliada ao uso preciso da tecnologia, devolve ao cinema comercial um senso de assombro que há anos vinha se perdendo em meio à mesmice industrial — um verdadeiro antídoto para a saturação até dos cinéfilos mais resistentes.
A trilha sonora, embora reutilize temas já conhecidos da saga, surge aqui com novas camadas e texturas, adaptadas a uma estética mais árida e “quente”. O resultado é funcional e eficaz: sustenta a emoção ao longo das quase três horas de projeção sem jamais se tornar redundante.
Na direção, Cameron reafirma por que permanece como uma referência incontornável. Sua condução de cenas de batalha, momentos de tensão extrema e passagens de brutalidade emocional demonstra como uma mise-en-scène rigorosa pode coexistir com uma narrativa épica e profundamente humana. Trata-se de um exercício de controle raro, no qual espetáculo e densidade dramática caminham lado a lado.
É verdade que o roteiro segue a clássica jornada do herói hollywoodiano. Ainda assim, “Avatar: Fogo e Cinzas” se destaca pela contínua expansão de seu universo. Assim como O Caminho da Água apresentou o Povo da Água, este novo capítulo amplia Pandora ao introduzir o Povo das Cinzas e os Mercadores, reforçando a sensação de um mundo vivo, em constante mutação.
No centro da narrativa permanece o conflito familiar dos Sully, atravessado por uma guerra que parece interminável. Jake e Neytiri são reconstruídos em sua relação, agora ainda mais marcada pelo luto, enquanto seus filhos ganham maior protagonismo e conflitos dramáticos surpreendentemente maduros. Se antes o foco recaía sobre Lo’ak, aqui é Kiri quem assume papel central, em sua relação quase mística com a deusa Eywa — uma representação sensível da fé como elo entre vida, natureza e espiritualidade.
À primeira vista, “Fogo e Cinzas” pode soar como mais um capítulo familiar dentro da filmografia de Cameron. Contudo, o filme se revela algo maior: uma celebração da vida, da família e da resistência de um povo que pensa além de si mesmo, em harmonia com o mundo que o cerca. É também uma crítica direta à colonização, ao desmatamento e ao ódio humano institucionalizado. Em um momento histórico marcado por sombras e retrocessos, o filme ecoa como um grito de alerta — lembrando que ignorar a vida e a natureza já não é mais uma opção, mas uma sentença.

