Por Gabi Coutinho
Eu tenho assistido muita peça ultimamente, e até faço uma listinha tentando elencar minhas favoritas. Entre elas, figuram grandes produções, companhias que são referência nacional e internacional, artistas consagrados e dramaturgias que admiro profundamente. Mas desde ontem, arrebatada pelo sentimento que me invadiu, um espetáculo feito com não-atores ganhou seu lugar no meu ranking como, certamente, uma das experiências mais lindas que já vivi dentro de um teatro.
Estreado no dia 21 de agosto, Multidão segue em cartaz no Teatro Novelas Curitibanas até 21 de setembro, com sessões de quinta a sábado às 19h30 e no domingo às 18h. Uma temporada que deveria ser longa o bastante para que todo ser humano pudesse passar por essa experiência transformadora.
Com direção de Eduardo Ramos, Multidão reúne treze pessoas em cena, oito delas estreando nos palcos, selecionadas a partir de uma convocatória aberta. São treze vozes que carregam em si a pluralidade do mundo e revelam universos muitas vezes desconhecidos do público, trazendo à tona histórias que precisam ser escutadas. É a diversidade da diversidade, fortemente representada.
A dramaturgia, assinada por Ramos, Amanda Leal e o próprio elenco, nasce da escuta, da partilha e da criação coletiva — e é nesse gesto de abrir espaço para o outro que reside a sua maior beleza.
Não só o texto, mas também os elementos visuais e sonoros carregam a marca do coletivo: os figurinos foram concebidos em parceria com os participantes, e em cena surge ainda Marco, um cavalo-azul extremamente simbólico, que carrega sonhos e memórias, construído por Eberton Lennon (que está em cena). A trilha sonora, com músicas que atravessam a plateia, é interpretada com potência arrebatadora; as danças hipnotizam e falam pro si mesmas; e o conjunto cria um mergulho poético impossível de descrever sem recorrer ao corpo, seja através do riso, do arrepio, do soluço, do choro.
Inclusive, vale a recomendação de não esquecer de levar um lencinho: eu não me lembro de ter chorado tanto em um teatro. Transbordei nos primeiros instantes, e assim segui. Do início ao fim, fui atravessada por uma mistura de identificação, compaixão e esperança.
Cada relato ecoa não apenas como história individual, mas como gesto coletivo de resistência e de cura. O espetáculo deixa evidente a força da arte como ferramenta de transformação, para quem se arrisca em cena e para quem se deixa tocar da plateia.
Muito mais que ver uma peça, assistir Multidão é dar um presente a si mesmo (gratuito, inclusive). Uma experiência que eu realmente acredito que deveria ser vivida por todos.
É um soco no estômago e, ao mesmo tempo, um abraço quente. É a sensação real de ser atropelada por uma multidão apenas para se levantar mais forte, mais humana, mais inteira.
Foto de capa: No Teatro Curitiba
