Originalmente publicada em 1935, “A mulher dos olhos de gelo” de Chrysanthème ganha sua primeira reedição, noventa anos depois. Dedicada a recuperar a obra de autoras brasileiras invisibilizadas, a editora Janela Amarela, aposta neste relançamento para reafirmar a importância das vozes femininas no debate de temas considerados tabus no início do século 20.
A obra de Chrysanthème, pseudônimo da jornalista e escritora carioca Cecília Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcelos, narra o pesar de um marido encarcerado que tenta justificar o ato criminoso culpando a vítima pelo desconforto do casamento. A autora constrói um retrato impactante da sociedade da época, expondo machismo e a misoginia ainda tão presentes atualmente.
Ambientada na cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, durante os anos 1930 a narrativa retrata o cenário de uma elite conservadora e profundamente patriarcal. “A mulher dos olhos de gelo” se inicia com a visita do médico Jorge Cavalcanti à cadeia, onde está preso o amigo e protagonista da trama, Maurício de Alencar, condenado pelo assassinato da esposa. No cárcere, o detento entrega ao visitante um diário em que relata, de sua perspectiva, o tratamento perverso e vexatório que recebia da esposa Helena e de seus familiares — mãe, irmão e irmã. Em sua defesa, o protagonista alega não se lembrar de como cometeu o crime. O mistério é intensificado pelo tom condescendente do relato, que parece buscar a empatia do leitor e o leva a questionar se o ex-militar realmente executou o assassinato.
Escrita crítica, desafetos e apagamento, quem é a autora
Cecilia Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos nasceu em 1869 na cidade do Rio de Janeiro, onde também faleceu, em 1948, aos 79 anos. Segunda de sete irmãos, casou-se aos 19 anos e teve um filho. Com a morte do marido, aos 38 anos, passou a escrever para sustentar a família. Assim como a mãe, adotou um pseudônimo para evitar os julgamentos e preconceitos enfrentados pelas mulheres da época. O nome escolhido, Chrysanthème, remete à obra “Madame Chrysanthème”, do escritor francês Pierre Loti, muito popular à época.
Começou a escrever em 1907 e atuou por quase 40 anos no jornalismo, colaborando com pelo menos uma dúzia de jornais e revistas. A professora e pesquisadora Maria de Lourdes de Melo catalogou cerca de 1500 crônicas escritas pela Chrysanthème ao longo desse período.
Com uma escrita afiada e crítica, especialmente em relação ao papel subordinado da mulher na sociedade burguesa da época, Chrysanthème abordou temas espinhosos como assédio sexual, adultério, homossexualidade e suicídio. Suas posições firmes e seu estilo provocador lhe renderam diversos desafetos públicos, entre eles o escritor Lima Barreto e o político Rui Barbosa. Ainda assim, sua ousadia e talento encantaram outras personalidades, como o cronista João do Rio, que a classificava como “legendária e desconcertante”.
Via Assessoria de Imprensa