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Quando assisti o trailer de ‘O Voo do Anjo’, novo longa do cinema nacional estrelado por Othon Bastos e Emílio Orciollo Netto, me senti comovido pela história e curioso em saber como seria. De fato, fazer dramas profundos e intensos é um talento que o cinema brasileiro consegue fazer com maestria na maioria das vezes, e além de entender que a sétima arte precisa de muito investimento e acolhimento por parte do público, me vi em uma saia justa quando os créditos começaram a subir.
Tentarei neste texto não ser o chato que fala mal do nosso cinema, mas alguém que viu pontos que não poderiam ter acontecido, independentemente de qualquer coisa. Isso, porque o que mais faltou no filme não foi orçamento ou falta de apoio (afinal, temos dois grandes atores como protagonistas), mas sim ROTEIRO.
O longa se propõe a debater dois assuntos importantes e desafiadores: O processo de luto e a depressão profunda. Infelizmente, erra nos dois. Primeiro ponto que sinalizo nessa falha de construção narrativa é a ausência de momentos fortes e impactantes. Alguns até acontecem, como o ponto de partida para a relação de Arthur e Vitor, mas ela é tão fraca e sem emoção que parece ser apenas uma cena solta no filme.
E o pior é que isso perdura durante todo o longa. Os momentos que deveriam demonstrar a maior dor e fragilidade dos personagens diante das situações trágicas que vivenciam são ocultadas por gritos histéricos. Não há lágrimas, não há olhos marejados e muito menos dor na voz do elenco, que mesmo com todo o talento do mundo não poderiam salvar-se.
Momentos importantes como encontros e reconciliações são simplesmente cortados do filme, sendo que foi a falta deles que trouxe todos os problemas. Além disso, personagens que simplesmente somem e não reaparecem, como por exemplo quando Vitor é socorrido para o hospital. Arthur toma frente, mas não liga para o filho? Onde estava o filho de Vitor? Ele simplesmente não existe depois dos 10 primeiros minutos do longa.
A fotografia, trilha sonora e direção de arte são impecáveis em seus trabalhos, no que se propõe a fazer. Não é nada de inovador, mas vale destaque. Contudo, são os únicos pontos que evidencio. Afinal, o conjunto da obra é muito frustrante para quem criou expectativas com base no trailer.
Além dos furos de roteiro (sem contar pessoas que surgem no final como se tivessem vínculos afetivos com os protagonistas, mas sem nunca termos visto), a direção também parece abandonada. Não é porque existe um elenco bom que a dedicação na direção deles precisa ser demasiada.
A impressão que tenho é que o próprio elenco tentava se encontrar nos sentimentos que queria passar, mas a falta de um direcionamento faz as cenas parecerem perdidas. Afinal, cada um trouxe sua visão do momento e emoção.
Sem contar em uns quinze minutos de uma viagem para o interior que os dois amigos fazem, para conhecer pontos turísticos do estado de Goiás (onde se passa a história), mas sem qualquer relação com a linha dorsal dos eventos. Ou seja, não tem porque existir.
Juntando, assim, um roteiro perdido com direção perdida, temos um voo que não decola. O próprio nome “O Voo do Anjo”, não traz referência nenhuma aos acontecimentos do filme. Quem é o anjo? Aurora, a filha que morre? Nem sequer sabemos o que aconteceu com ela. Até porque ela é o acontecimento fatídico, mas a história é de Arthur, então se subentende que o voo deveria ser dele, não?
A morte se faz presente (isso não é spoiler), mas nem sabemos como aconteceu. Infelizmente, dessa vez não há recomendação. O filme não progredi. Se propõe a trazer um debate importante sobre o processo de luto, o que é super válido, mas se perde nisso.
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SPOILERS
Eu raramente faço críticas com spoilers, mas é impossível não comentar certas situações. Então se você não viu o filme e continuar a leitura, é por sua conta e risco.
A aurora morre no começo do filme, mas como? Ninguém sabe. “Foi por um momento de descuido meu”, diz Arthur em determinado momento. Ok, mas o que aconteceu? Ela caiu do alto, se afogou numa piscina, foi sequestrada…? O fatídico acontecimento que gera todo o filme é contado pela metade.
Além de todas as questões comentadas acima, as duas que mais me incomodam na narrativa é: A cena fraca do encontro de Vitor com a ex-mulher de Arthur, que deveria ser impactante com toda a sua sabedoria, que poderia de fato fazer mudar o sentimento dela em relação a situação; é apenas um convite para uma festa surpresa.
A festa surpresa acontece (ainda chegarei no segundo ponto), com pessoas que nunca vimos no filme (com exceção da funcionária da casa de Victor e da médica que aparece quando o professor passa mal), sem emoção nenhuma. Duas músicas são adicionadas para falar sobre não desistir da vida, mas sem contexto algum com a festividade e para piorar, o discurso de Arthur que não transmite emoção alguma de alguém com depressão profunda. A ex-esposa, mãe da Aurora? Nem aparece por aqui, viu.
Agora sim o segundo ponto e talvez o pior de todos: Corte de seis meses depois, Arthur sendo deixado no trabalho por quem? Sim, pela (ex)esposa. Casados e reconciliados, segurando um livro que o professor publicou sobre poemas (o livro até faz sentido com cenas anteriores). Mas a questão é: uma das cenas mais importantes do filme que seria a reconciliação do casal (ou minimamente uma conversa decente) simplesmente NÃO ACONTECE. O filme termina e fica aqui nossa frustração.