É curioso, quando paramos para pensar, como a ficção em tantas histórias imagina futuros e mundos tão distantes e fantásticos, mas falam tanto sobre o nosso mundo presente. Seja na literatura, no audiovisual ou games, as melhores obras do gênero sempre trazem críticas e reflexões sobre a humanidade, a vida em sociedade e seus inúmeros problemas, dilemas filosóficos, éticos, políticos e religiosos que nos fazem pensar, muito tempo após lermos a última página ou os créditos subirem. E Guerra Civil é certamente um filme que continuarei a pensar mesmo após terminar o filme.
Em sua terceira parceria com o estúdio A24, o longa escrito e dirigido por Alex Garland é ambientado em um futuro próximo onde os Estados Unidos estão sob uma guerra civil que dividiu o país em dois. Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura) são dois membros da imprensa que viajam pelo país registrando os eventos da guerra que assola os Estados Unidos.
Assim como muitos, o que imediatamente despertou meu interesse no filme foi a participação de Wagner Moura, ator cujo trabalho sou muito fã. E como sempre, Wagner é ótimo naquilo que faz. Em sua atuação como Joel, ele entrega um personagem carismático e protagonista de vários momentos engraçados do filme e algumas das passagens mais tensas também. É muito bom ver um ator brasileiro ganhando tanto destaque e visibilidade em um filme de Hollywood e realmente torço para que ele consiga mais espaço em outras grandes produções.
Mas é impossível falar de atuações nesse filme sem mencionar o show que Kirsten Dunst dá em tela. A atriz vem de uma boa leva de papéis dramáticos nos últimos anos, principalmente após Ataque dos Cães (2022), e em Guerra Civil a atriz interpreta uma fotojornalista veterana que construiu sua carreira cobrindo guerras pelo mundo. Dunst captura e transmite muito bem em sua atuação as nuances de uma pessoa dessensibilizada e amargurada com as tragédias que presenciou. Isso fica muito claro em sua relação com Jessie (Cailee Spaeny), uma fotógrafa amadora que acompanha os dois jornalistas na viagem pelo país e que sonha em se tornar uma grande fotojornalista como Lee.
A relação das duas personagens, essa dicotomia entre a inocência de Jessie e a experiência de Lee, é o coração do filme. Ver como Lee se mostra inicialmente relutante e vai criando afeto pela garota no decorrer da viagem e desenvolvendo uma relação de mentor e aluno, me fez lembrar levemente de The Last of Us enquanto assistia. É através das interações das duas personagens que vários debates sobre fotojornalismo são colocados em discussão. Afinal, o que seria mais importante: registrar um momento ou deixar de registrá-lo e salvar uma vida?
O filme como um todo mostra a importância da imprensa jornalística na cobertura de guerras e eventos de proporções extremas. São profissionais que botam suas vidas em risco para registrar os acontecimentos e trazer os fatos para a população. A fotografia do filme capta muito bem o caos e o frenesi das zonas de combate e aliado a um primoroso trabalho sonoro, o espectador se sente extremamente imerso naquele mundo, como se estivesse acompanhando os eventos ao lado dos personagens. Esse é um filme que se beneficia muito de assistir no cinema, na sala com a melhor tela e som possíveis, pois engrandece demais a experiência.
O que também contribui bastante com essa imersão é o design de produção do filme, reimaginando os Estados Unidos como uma zona de guerra. O que mais impressiona, é ver um filme que consegue passar tamanha sensação de escala e grandiosidade com um orçamento de 50 milhões de dólares, valor modesto para grandes filmes de Hollywood.
Eu ressalto todos esses pontos da imersão pois, não só a criação de mundo é um dos aspectos mais interessantes e cativantes de qualquer ficção, como é exatamente por meio dessa imersão que os momentos de tensão são ainda mais potencializados. Em diversos momentos do filme eu estava na ponta da poltrona de tão tenso e intrigado com o que iria acontecer na cena. Destaco aqui a cena em que um soldado pergunta ao personagem de Wagner Moura “Que tipo de americano você é?”, de longe a cena mais tensa do longa inteiro, e possivelmente a sua melhor.
Em um ano que considero bem fraco até o momento de bons lançamentos, Guerra Civil chega aos cinemas trazendo uma história interessante e muito bem conduzida, com personagens carismáticos e muito humanos, ótimas atuações de Kirsten e Wagner e com um trabalho técnico de excelência, o novo longa de Alex Garland entra para a lista ao lado de Duna: Parte Dois como as experiências mais imersivas e impactantes que tive nos cinemas até então em 2024.
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