Por Maduh Cavalli e Gabi Coutinho
“Sozinho com Romeu e Julieta”, espetáculo em cartaz da companhia Ave Lola com direção de Ana Rosa Genari Tezza, nos encanta e surpreende do início ao fim, mostrando a ousadia e o brilhantismo de Evandro Santiago e seu grande elenco, composto só por ele mesmo. É impossível acreditar que não havia mais ninguém no palco: até um cavalo pareceu realmente estar ali, com o relinchar, o trabalho de corpo e o som da corrida surgindo com um timing e uma reverberação hipnotizadora, capazes de nos transportar para outro universo.
Essa mesma precisão se repete nos mais de dez personagens que Evandro interpreta, cada um com figurinos e máscaras construídos para parecerem vivos. Com entrega absoluta e nuances riquíssimas, ele transforma cada figura em presença sólida e palpável, ocupando o espaço de forma tão convincente que, em cenas como a luta de espadas ou o sexo, é impossível não sentir que há outra pessoa contracenando com ele. O resultado é um jogo de cena refinado, que ultrapassa a simples atuação e revela a potência mágica do teatro.
Cada movimentação é precisa, e mesmo em cenas aparentemente “simples”, a grandiosidade toma conta do palco. O olhar atento e presente do ator nos conduz por um caminho que arranca risadas e também nos emociona. Saber a história, tantas vezes já contada, não tira o brilho da montagem; pelo contrário, reforça-o e o torna ainda mais vibrante.
A música ao vivo é visivelmente uma cocriação em perfeita sintonia com o espetáculo, um personagem invisível e indispensável que antecipa gestos, embala silêncios e potencializa cada virada de cena de maneira emocionante. O fato dos músicos (Arthur Jaime e Breno Monte Serrat) estarem “escondidos” num primeiro momento deixa a atmosfera ainda mais imersiva e mágica, a ponto que quando se revelam isso multiplica o encanto do momento. A luz de Beto Bruel e Rodrigo Ziolkowski conduz o olhar do público como uma narrativa paralela, criando atmosferas, isolando emoções e ampliando a intensidade dramática. Embora Evandro seja impecável por si só, a iluminação nos ajuda a ver expressões em cada uma das máscaras, e nos transporta para outros lugares e ambientes.
Tivemos o privilégio de assistir à peça com um grupo de jovens de uma escola, e foi evidente: apesar de ser um deleite para qualquer profissional da cena, é também um espetáculo acessível, que comunica com clareza e sensibilidade para todos os públicos. É teatro vivo e reverberante. Foi emocionante perceber os convidados, muitos com menos de 15 anos, encantados e envolvidos para compreender cada detalhe da encenação.
Talvez soe como clichê dizer que o espírito de Shakespeare pairava ali, mas é impossível duvidar: seus versos renascem tão vivos, tão próximos de nós, pulsando com uma atualidade e um poder de transformação ainda maior. A cena é tomada por uma sensibilidade que encanta e emociona. A beleza dos gestos revela a força da interpretação e da direção, que consegue trazer uma das histórias mais conhecidas do mundo de forma nova, sem perder sua essência, renovando, assim, nossa expectativa. É a arte em sua forma mais bela e pura.
“Sozinho com Romeu e Julieta” é prova de que o teatro, quando bem conduzido, pode transformar até o mais familiar dos enredos em uma experiência única e inesquecível.
